sábado, 19 de março de 2016

STF - INFORMATIVO 816

Informativo STF

Brasília, 29 de fevereiro a 4 de março de 2016 - Nº 816.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.


SUMÁRIO


Plenário
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 1
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 2
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 3
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 4
Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 5
Processo penal militar e interrogatório ao final da instrução
1ª Turma
TCU: repactuação de termos contratados, limites de atuação e via processual adequada - 5
Extradição: crime de lesa-humanidade, imprescritibilidade e anistia
2ª Turma
Interceptação telefônica e competência
CNJ: férias de 60 dias e justiça estadual - 1
CNJ: férias de 60 dias e justiça estadual - 2
Crime ambiental e dano efetivo ao bem jurídico tutelado - 2
Prisão preventiva e reincidência - 2
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Extradição - Tratado - Aplicação Retroativa - Excepcionalidade - Convenção de Viena - Condenação Penal - Inexistência - Irrelevância (PPE 769-DF)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 1

O Plenário recebeu, parcialmente, denúncia oferecida contra deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º) e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012). Ainda, na mesma assentada, a Corte, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra ex-deputada, hoje prefeita municipal, pelo suposto delito de corrupção passiva. Por fim, julgou prejudicados os agravos regimentais. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares suscitadas. Afirmou não prosperar a alegação de nulidade do depoimento prestado pela denunciada perante o Ministério Público, ao argumento de que teria sido ouvida como testemunha e não como investigada, o que comprometeria o direito de não autoincriminação. Isso porque, embora ela tivesse sido ouvida na condição de testemunha e assumido o compromisso de dizer a verdade, constaria do termo de depoimento que ela teria sido informada de que estariam ressalvadas daquele compromisso “as garantias constitucionais aplicáveis”. Afastou também a pretensão do denunciado de ver suspenso o processo, por aplicação analógica do art. 86, § 4º, da CF, já que essa previsão constitucional se destinaria expressamente ao chefe do Poder Executivo da União. Desse modo, não estaria autorizado, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que ampliasse a incidência a outras autoridades, notadamente do Poder Legislativo. Rechaçou o alegado cerceamento de defesa, arguido em agravos regimentais, por meio dos quais se buscava acessar o inteiro teor do acordo de colaboração premiada e respectivos termos de depoimento de réu já condenado pela justiça federal por crimes apurados na denominada “Operação Lava Jato”. Ressaltou que o Procurador-Geral da República juntara aos autos todos os depoimentos de colaboradores que se referiam ao acusado e aos fatos referidos na denúncia.
Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)



Audio 

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 2

Da mesma forma, o Tribunal entendeu que seria improcedente a alegação de nulidade de depoimentos complementares prestados por colaborador, em razão da ausência de nova homologação ou ratificação do acordo de colaboração premiada pelo Supremo Tribunal Federal. Não se poderia confundir o acordo de colaboração premiada, que estaria sujeito à homologação judicial, com os termos de depoimentos prestados pelo colaborador, que independeriam de tal homologação. Na espécie, o acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e colaborador teria sido devidamente homologado por juiz federal, nos termos da Lei 12.850/2013. À época, pelas declarações até então prestadas pelo colaborador, não haveria notícia de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro no STF, razão pela qual seria inquestionável a competência daquele juízo para a prática do ato homologatório. Assim, a eventual desconstituição de acordo de colaboração teria âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, de modo que não beneficiaria e nem prejudicaria terceiros. Vencido o Ministro Marco Aurélio, ao fundamento de que o STF não seria competente para julgar a denunciada, tendo em vista que ela não gozaria de prerrogativa de foro perante esta Corte. Acolhia, por outro lado, a preliminar de cerceamento de defesa, pela impossibilidade de acesso, como um todo, às delações premiadas pelos acusados.
Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)



Audio 

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 3

O Plenário sublinhou que as razões apresentadas pelo Ministério Público teriam demonstrado adequadamente a necessidade de a denunciada ser processada e julgada no STF, em conjunto com o deputado federal. No caso, a peça acusatória imputara ao parlamentar condutas delituosas desdobradas em dois momentos distintos. No primeiro, o acusado teria solicitado e aceitado promessa de vantagens indevidas para garantir a continuidade de esquema ilícito implantado no âmbito da Petrobras, assim como para manter indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista. Em um segundo momento, a percepção de valores indevidos teria sido para pressionar o retorno do pagamento de propinas, valendo-se de requerimentos formulados por interposta pessoa e com desvio de finalidade na atuação legislativa. Relativamente à primeira fase, o acusado, entre junho de 2006 e outubro de 2012, solicitara para si e para outrem e aceitara promessa de vantagem indevida em razão da contratação, pela Petrobras, de estaleiro para a construção de navio-sonda. Além disso, entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, o parlamentar também solicitara, para si e para outrem e teria aceitado promessa, direta e indiretamente, de vantagem indevida, a fim de que a Petrobras realizasse a contratação do mesmo estaleiro para a construção de outro navio-sonda. Todavia, o Colegiado afirmou que não ficara demonstrada concretamente a participação dos denunciados nessa fase inicial de negociação da construção dos navios-sonda. Assinalou que nada fora produzido, em termos probatórios, que indicasse a efetiva participação dos denunciados nos supostos crimes ocorridos na época da celebração dos contratos, nos anos de 2006 e 2007, ou mesmo que os acusados tivessem, no período imediato, recebido vantagem indevida para viabilizar a negociação ou se omitido em fiscalizar esses contratos, em razão do mandato parlamentar. Assim, ante a falta de apresentação de indícios de participação dos denunciados quanto a esse período, a denúncia não mereceria ser recebida.
Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 4

No tocante ao segundo momento delitivo, o Tribunal reputou que o aditamento à denúncia trouxera reforço narrativo lógico e elementos sólidos que apontariam ter ambos os denunciados aderidos à exigência e recebimento de valores ilícitos, a partir de 2010 e 2011. Nesse item, a peça acusatória narrara os fatos em tese delituosos e a conduta dos agentes, com as devidas circunstâncias de tempo, lugar e modo, sem qualquer prejuízo ao exercício de defesa. A materialidade e os indícios de autoria, elementos básicos para o recebimento da denúncia, encontrar-se-iam presentes a partir do substrato trazido no inquérito. A Corte observou que a interposta pessoa a que se referiria a denúncia seria a acusada, que, para coagir lobista a pagar valor ainda pendente, referente às aludidas comissões ilegítimas, apresentara, por solicitação do deputado, dois requerimentos à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados requisitando informações ao TCU e ao Ministério de Minas e Energia acerca dos contratos de interesse do lobista com a Petrobras. A pressão exercida pelo acusado, por intermédio da denunciada, surtira efeito, uma vez que o lobista se vira compelido a pagar as quantias prometidas. Ademais, a materialidade e os indícios de autoria relativos aos crimes de lavagem de dinheiro, elementos básicos para o recebimento da denúncia, também se encontrariam presentes. Depoimento prestado pelo lobista no âmbito de colaboração premiada indicaria que, para operacionalizar suposto pagamento de parte da propina ao deputado, teriam sido transferidos valores de sua conta na Suíça. Ainda sobre entregas de valores para o acusado, outro réu investigado no âmbito da “Operação Lava Jato” confirmara que teriam sido realizadas em espécie. Outros elementos probatórios apontariam para operação destinada ao pagamento de propina ao deputado, realizada entre 21 de dezembro de 2011 e 30 de outubro de 2012, por meio de suposta simulação de contratos de prestação de serviços de consultoria. Haveria, ainda, repasse ao acusado mediante simulações de contratos de mútuo. O parlamentar requerera, também, doações a determinada igreja como forma de saldar parte das quantias supostamente a ele devidas, além de pagamento em horas voo mediante fretamento de táxi aéreo.
Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)

Inquérito: corrupção passiva e lavagem de dinheiro - 5

O Tribunal concluiu que os elementos colhidos indicariam possível cometimento de crime de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, “caput” e § 1º), ao menos na qualidade de partícipe (CP, art. 29), por parte do deputado federal. Excluir-se-ia, todavia, do quanto recebido, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP, incabível pelo mero exercício do mandato popular, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º (“A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”). A jurisprudência do STF exigiria, para tanto, imposição hierárquica não demonstrada nem descrita nos presentes autos. Os indícios existentes apontariam também que a acusada teria concorrido para a prática do delito de corrupção passiva, nos termos do já aludido art. 29 do CP (“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”). Assim, não assistiria razão à defesa da denunciada, de que a conduta descrita na inicial acusatória seria de outro tipo penal. Vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que não recebiam a denúncia oferecida contra a acusada. Pontuavam que a conduta imputada a ela seria a de assinar requerimento à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, prática normal à atividade parlamentar. Não haveria, entretanto, prova de que a então parlamentar tivesse solicitado, ou recebido, ou aceito vantagem ilícita para praticar o ato. Seriam necessários outros indicativos de adesão à conduta viciada para que a acusação pudesse ser viável.
Inq 3983/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 2 e 3.2016. (Inq-3983)

Processo penal militar e interrogatório ao final da instrução

A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o art. 400 do CPP, é aplicável no âmbito de processo penal militar. Essa a conclusão do Plenário, que denegou a ordem em “habeas corpus” no qual pleiteada a incompetência da justiça castrense para processar e julgar os pacientes, lá condenados por força de apelação. A defesa sustentava que eles não mais ostentariam a condição de militares e, portanto, deveriam se submeter à justiça penal comum. Subsidiariamente, alegava que o interrogatório realizado seria nulo, pois não observado o art. 400 do CPP, na redação dada pela Lei 11.719/2008, mas sim o art. 302 do CPPM. No que se refere à questão da competência, o Colegiado assinalou que se trataria, na época do fato, de soldados da ativa. De acordo com o art. 124 da CF e com o art. 9º, I, “b”, do CPM, a competência seria, de fato, da justiça militar. Por outro lado, o Tribunal entendeu ser mais condizente com o contraditório e a ampla defesa a aplicabilidade da nova redação do art. 400 do CPP ao processo penal militar. Precedentes com o mesmo fundamento apontam a incidência de dispositivos do CPP, quando mais favoráveis ao réu, no que diz respeito ao rito da Lei 8.038/1990. Além disso, na prática, a justiça militar já opera de acordo com o art. 400 do CPP. O mesmo também pode ser dito a respeito da justiça eleitoral. Entretanto, o Plenário ponderou ser mais recomendável frisar que a aplicação do art. 400 do CPP no âmbito da justiça castrense não incide para os casos em que já houvera interrogatório. Assim, para evitar possível quadro de instabilidade e revisão de casos julgados conforme regra estabelecida de acordo com o princípio da especialidade, a tese ora fixada deveria ser observada a partir da data de publicação da ata do julgamento. O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, também denegou a ordem, mas ao fundamento de que a regra geral estabelecida no CPP não incidiria no processo penal militar. A aplicação subsidiária das regras contidas no CPP ao CPPM somente seria admissível na hipótese de lacuna deste diploma, e o CPPM apenas afasta a aplicação das regras nele contidas se houvesse tratado ou convenção a prever de forma diversa, o que não seria o caso.
HC 127900/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 3.3.2016. (HC-127900)



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PRIMEIRA TURMA

TCU: repactuação de termos contratados, limites de atuação e via processual adequada - 5

Por demandar análise pericial e verificação de preços, dados e tabelas, o mandado de segurança não é a via adequada para aferir critérios utilizados pelo TCU e que culminaram por condenar solidariamente a impetrante à devolução de valores ao erário, em razão de superfaturamento de preços constatado em aditamentos contratuais por ela celebrados com a Administração Pública. Com base nessa orientação, a Primeira Turma, por maioria, denegou a segurança, revogou a liminar anteriormente deferida e julgou prejudicado o agravo regimental interposto. Na espécie, a impetrante intentara anular decisão do TCU que a condenara, solidariamente, à devolução de montante ao tesouro público, apurados a título de sobrepreço. Segundo aquela Corte de Contas, teria havido superfaturamento de preços, constatado em aditamentos contratuais celebrados entre o departamento de estradas e rodagens de determinado estado-membro e a impetrante (construtora). Os referidos contratos destinavam-se a obras em rodovia que tiveram o aporte de recursos federais oriundos de convênios firmados com o extinto DNER. Com o intuito de cumprir determinação do TCU, o ente federado tentara repactuar os termos do contrato, o que não fora aceito. Diante da negativa da empresa contratada, o estado teria rescindido o instrumento contratual e seus aditivos, com base no art. 78, VII, da Lei 8.666/1993. Esse fato dera origem à tomada de contas especial, perante o TCU, objeto da presente impetração — v. Informativo 705. Para a Turma, ao assinar prazo àquele departamento para garantir o exato cumprimento da lei, o TCU teria agido dentro das normas constitucionais e legais. Destacou que o Plenário do STF, no julgamento do MS 30.788/MG (DJe de 4.8.2015), ao apreciar a delimitação da competência do TCU para imposição de ônus ao particular, teria decidido pela constitucionalidade do art. 46 da Lei 8.443/1992. Tal preceito “instituiu sanção de inidoneidade a particulares por fraude a licitação, aplicável pelo TCU”. Reafirmou que, não obstante a inadequação da via processual do mandado de segurança, a matéria seria passível de impugnação judicial autônoma ou mesmo por embargos, na hipótese de se instaurar a execução. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem, ante as peculiaridades do caso. Entendia que a situação concreta se distanciava do precedente citado, porque teria havido licitação e, em razão de sucessivos planos econômicos, a obra permanecera parada. Assentava que o TCU não poderia impor ônus a particular, muito menos mediante pronunciamento que teria contornos de título executivo judicial.
MS 29599/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2016. (MS-29599)

Extradição: crime de lesa-humanidade, imprescritibilidade e anistia

Em questão de ordem, a Primeira Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de extradição em que se debate sobre a aceitação da tese da imprescritibilidade de crimes de lesa-humanidade praticado por estrangeiro. Na espécie, a República Argentina solicita a extradição de seu nacional com fundamento no art. 4º do Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e aquele país, internalizado pelo Decreto 62.979/1968. Consta dos autos que juízo criminal e correcional federal de Buenos Aires expedira ordem de prisão contra o extraditando, ante a suspeita de ter participado de associação ilícita parapolicial. Referida entidade teria operado naquele país entre os anos de 1973 e 1975 e se dedicara ao assassinato de integrantes da militância de esquerda que tivessem atividade política, além da eliminação de comunistas e desafetos do governo e ameaças públicas por propagandas políticas. O Ministro Edson Fachin (relator) destacou a importância do tema e a ausência de precedentes, a indicar a remessa dos autos ao Plenário.
Ext 1362 QO/República da Argentina, rel. Min. Edson Fachin, 1º.3.2016. (Ext-1362)


SEGUNDA TURMA

Interceptação telefônica e competência

A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que discutida a competência para o exame de medidas cautelares em procedimento de investigação criminal. Na espécie, o juízo da vara central de inquéritos de justiça estadual deferira interceptação telefônica e suas sucessivas prorrogações nos autos da referida investigação. A defesa alegava que esse juízo especializado seria incompetente, pois o procedimento investigatório seria incidente relacionado a ação penal atribuída a outro juízo. O Colegiado reputou que o art. 1º da Lei 9.296/1996 (“A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”) não fixa regra de competência, mas sim reserva de jurisdição para quebra de sigilo, o que fora observado. Além disso, há precedentes do STF que admitem a divisão de tarefas entre juízes que atuam na fase de inquérito e na fase da ação penal.
HC 126536/ES, rel. Min. Teori Zavascki, 1º.3.2016. (HC-126536)

CNJ: férias de 60 dias e justiça estadual - 1

A Segunda Turma denegou a ordem em mandado de segurança impetrado em face de ato do CNJ, consistente na declaração de ilegalidade da fixação de férias de 60 dias para os servidores de tribunal de justiça estadual. A Turma, inicialmente, assentou a competência do CNJ para apreciar a matéria em questão. Isso porque a disciplina das férias de serventuários da Justiça de qualquer dos estados-membros, entre outras matérias, constituiria função a ele cominada pela CF, em seu artigo 103-B, § 4º, II. Outrossim, não haveria nessa atuação do Conselho hipótese de usurpação da competência do STF, mas sim de exercício direto da competência constitucional que lhe fora atribuída. O Colegiado afastou também alegação segundo a qual teria havido violação à ampla defesa e ao contraditório na decisão atacada porque proferida sem que tivesse sido publicado edital para que fossem ouvidos os servidores do tribunal local. Afirmou que a baliza que se poderia identificar nos julgados do STF, no sentido de assegurar a oitiva de terceiros nos feitos administrativos de controle de atos de tribunais ou órgãos de ministérios públicos locais pelos respectivos Conselhos constitucionais — CNJ e CNMP —, tem sido a existência de situação jurídica constituída com base no ato controlado. Assim, inexistindo a consolidação de situação jurídica, o tribunal não reconheceria o direito ao contraditório e à ampla defesa. Por outro lado, a par de observar a existência de situação jurídica consolidada, seria necessário avaliar a natureza do ato objeto de controle — se ato geral ou individual — e, por consequência, a natureza da deliberação a ser proferida pelo Conselho constitucional — objetiva ou subjetiva —, a fim de se definir a necessidade de oitiva dos possíveis atingidos pela decisão. Nesse sentido, os atos elaborados a partir da consideração de situação individual do beneficiário, ou seja, com componente subjetivo, demandariam, nos feitos voltados a sua desconstituição, a necessária participação do interessado, que deveria, desse modo, ser notificado à apresentação de sua defesa. No caso dos autos, todavia, seria discutida deliberação do CNJ, que, controlando atos normativos de tribunal local, considerara ilegal a concessão de 60 dias de férias aos serventuários da justiça estadual. Ao apreciar a legalidade de um decreto-lei de tribunal local e sua conformidade com os princípios constitucionais da Administração Pública, o CNJ não consideraria a situação particular dos beneficiários da norma, projetando, isto sim, sua apreciação, sob o enfoque objetivo.
MS 26739/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2016. (MS-26739)

CNJ: férias de 60 dias e justiça estadual - 2

No mérito, a Turma asseverou que as normas estaduais infirmadas na decisão do CNJ assegurariam 60 dias de férias aos servidores da Justiça estadual como decorrência da associação entre esse direito e o período de férias coletivas concedidas nos tribunais. Todavia, essa forma de usufruto do direito às férias já teria a sua inconstitucionalidade declarada pelo STF. De fato, a jurisprudência da Corte se pacificara no sentido de ser inconstitucional a concessão de férias coletivas aos magistrados, diante da previsão inserta pela EC 45/2004 ao art. 93, XII, da CF. Tal preceito dispõe que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”. Ademais, “EC 45/2004, ao vedar as férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, revogou os atos normativos inferiores que a elas se referiam” (ADI 3.085/CE, DJU de 28.4.2006). Assim, se a Constituição veda a concessão de férias coletivas aos magistrados, com vista a garantir que a atividade jurisdicional seja ininterrupta, seria também inadmissível o gozo coletivo de férias pelos servidores de tribunal de justiça local.
MS 26739/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2016. (MS-26739)

Crime ambiental e dano efetivo ao bem jurídico tutelado - 2

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, reputou improcedente acusação formulada contra deputado federal pela suposta prática do crime previsto no art. 34, “caput”, da Lei 9.605/1998 (“Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”) — v. Informativo 791. No caso, de acordo com o relatório de fiscalização, a autoridade ambiental abordara o deputado e outras duas pessoas em embarcação fundeada em área marítima pertencente à unidade de conservação federal de proteção integral. A Turma, de início, afastou a preliminar de inépcia da denúncia. Observou que essa peça processual descreveria de forma detalhada a ação empreendida, com menção ao dia, ao local e às circunstâncias do ato tido por criminoso, a possibilitar o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Em seguida, reputou não existir, no caso concreto, o requisito da justa causa a propiciar o prosseguimento da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta do agente, pela ausência de periculosidade social da ação, pelo reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e pela inexpressividade da lesão jurídica provocada. Assim, apesar de a conduta do denunciado amoldar-se à tipicidade formal e subjetiva, não haveria a tipicidade material, consistente na relevância penal da conduta e no resultado típico, em razão da insignificância da lesão produzida no bem jurídico tutelado. A jurisprudência seria no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes ambientais, tanto com relação aos de perigo concreto — em que haveria dano efetivo ao bem jurídico tutelado —, quanto aos de perigo abstrato, como no art. 34, “caput”, da Lei 9.605/1998. No processo em exame, não se produzira prova material de qualquer dano efetivo ao meio ambiente. Ademais, mesmo diante de crime de perigo abstrato, não seria possível dispensar a verificação “in concreto” do perigo real ou mesmo potencial da conduta praticada pelo acusado com relação ao bem jurídico tutelado. Esse perigo real não se verificaria na espécie vertente. Portanto, seria imperioso assentar a atipicidade material da conduta, pela completa ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. O acusado estaria em pequena embarcação quando teria sido surpreendido em contexto de pesca rústica, com vara de pescar, linha e anzol. Não estaria em barco grande, munido de redes, arrasto nem com instrumentos de maior potencialidade lesiva ao meio ambiente.
Inq 3788/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 1°.3.2016. (Inq-3788)

Prisão preventiva e reincidência - 2

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, declarou prejudicado “habeas corpus” em que discutida ausência de fundamentação idônea, lastreada na necessidade de preservação da ordem pública, a justificar a prisão preventiva do paciente — v. Informativo 773. O Colegiado registrou o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O Ministro Gilmar Mendes (relator) reajustou o seu voto.
HC 124180/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.3.2016. (HC-124180)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno2.3.20163.3.2016199
1ª Turma1º.3.2016167
2ª Turma1º.3.2016275



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 29 de fevereiro a 4 de março de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 915.880-RO
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDORES PÚBLICOS. ESTADO DE RONDÔNIA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa à natureza jurídica do “auxílio-alimentação” concedido pela Lei 794/1998 do Estado de Rondônia é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 917.285-SC
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO FUNDADO NA LETRA B DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 73, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.430/96, INCLUIDO PELA LEI Nº 12.844/13. AFRONTA AO ART. 146, III, B, DA CF. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisões Publicadas: 2



C L I P P I N G  D O  D J E

29 de fevereiro a 4 de março de 2016

AG. REG. EM MS 32.806-DF
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.  PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO QUE NÃO RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE FATO OU A NEGATIVA DE AUTORIA. INCOMUNICABILIDADE DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE FATOS E PROVAS EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que somente há comunicabilidade entre a esfera cível ou administrativa e a decisão do Juízo criminal quando nesta se reconheça a inexistência do fato ou a negativa de autoria. Precedentes:  AI 856126 AgR, Min. Rel. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 7/12/2012,  RE 430386 AgR, Min. Rel. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 2/2/2015.
2. A Constituição da República atribui, expressamente, ao Conselho Nacional de Justiça a instauração de processo administrativo disciplinar contra magistrado que praticar ato definido em lei como infração administrativa (CF, art. 103-B, § 4º, I e III)
3. In casu, o pedido de arquivamento do inquérito não se baseou  na negativa de autoria ou na inexistência de fato, de forma que a decisão prolatada na esfera criminal não deve vincular a esfera administrativa. Na peça de arquivamento, o Procurador-Geral da República assentou que: “1. Trata-se de Inquérito instaurado para apurar a suposta prática de crimes de esbulho possessório, quadrilha ou bando e posse ilegal de arma de fogo (artigos 161, inc. II e 288 do Código Penal, e artigo 16 da Lei nº 10.826/2003) pelo Desembargador Bernardino Lima Luz, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (...) 10. Entretanto, não há elementos mínimos e suficientes sobre qualquer prática delitiva por parte do mencionado magistrado para a instauração da persecutio criminis nessa Corte (...) 11. Cabe ressaltar, inicialmente, que Evangelista afirmou que teria vendido parte da fazenda Nova Jerusalém ao Desembargador Bernardino e a Giovanne Silveira, sendo que o imóvel também lhe pertencia (fls. 10). Ocorre que Aldacides Borges também acreditava que era proprietário da fazenda (fls.10); e que, em favor de outra pessoa, houve o cumprimento de mandado de reintegração de posse (fls. 06 e 14 dos autos principais, e fls. 08, in fine, do Apenso II). (…) 12. Nesse cenário, não há que se cogitar da prática de algum crime pelo Desembargador Bernardino. A sua ida à Fazenda e à Delegacia de Polícia Civil de Natividade teve por objetivo conhecer os fatos e, provavelmente, afirmar à autoridade policial que acreditava ser proprietário de parte da fazenda, sendo que o seu interesse na definição do caso seria em relação à sua posição de possível proprietário do bem, conforme depreende-se das declarações prestadas por Adão Gualberto Nunes e Dalci Martins Rezende (fls. 19 e 21):”
4.  No tocante à proporcionalidade da sanção em relação às condutas investigadas, a análise da matéria envolveria rediscussão de fatos e provas produzidas no âmbito do processo administrativo disciplinar, o que não se compatibiliza com a via do mandado de segurança.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.

AC N. 4.036-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO CAUTELAR. SUPOSTO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, § 1º, NA FORMA DO § 4º, II, DA LEI 12.850/2013) COM PARTICIPAÇÃO DE PARLAMENTAR FEDERAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS CORRESPONDENTES. CABIMENTO. DECISÃO RATIFICADA PELO COLEGIADO.
*noticiado no Informativo 809

AG. REG. EM MS N. 29.581-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO, SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ART. 236, E PARÁGRAFOS, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI  9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ART. 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO  PLENÁRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STF é no sentido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Assim, a partir de 5/10/1988, o concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o disposto no art. 16 da referida lei, com a redação que lhe deu a Lei 10.506/2002. As normas estaduais  editadas anteriormente, que admitem a remoção na atividade notarial e de registro independentemente de prévio concurso público, são incompatíveis com o art. 236, § 3º, da Constituição, razão pela qual não foram por essa recepcionadas.
2. É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a  atividade notarial e de registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por  servidores públicos, cujos cargos não se confundem.
3. O Plenário do STF, em reiterados julgamentos, assentou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu art. 236.
4. É legítima, portanto, a decisão da autoridade impetrada que considerou irregular o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público, decorrente de remoção, com ofensa ao  art. 236, § 3º, da Constituição. Jurisprudência reafirmada no julgamento do MS 28.440 AgR, de minha relatoria, na Sessão do Plenário de 19/6/2013.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.

QUINTO AG. REG. NO Inq. 3.842-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravos regimentais. Inquérito. Investigados sem prerrogativa de foro junto à Suprema Corte. Desmembramento. Questão de ordem suscitada por integrante da Turma no julgamento de outro recurso. Rejeição. Posterior cisão ordenada, monocraticamente, pelo Relator. Admissibilidade. Inexistência de preclusão para o Relator. Inteligência do art. 21, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Ausência de ofensa ao princípio da colegialidade. Submissão da matéria, ademais, ao colegiado, pela via do agravo interno. Excepcionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Recursos não providos.
1. A negativa de desmembramento do feito, em questão de ordem rejeitada pelo Colegiado, não importou em preclusão da matéria para o relator, diante da natureza rebus sic stantibus daquela decisão.
2. Não houve ofensa ao princípio da colegialidade, uma vez que o relator pode determinar o desmembramento de inquéritos ou ações penais, com fundamento no art. 21, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
3. Ademais, a própria interposição de agravo interno contra a decisão de desmembramento submete a controvérsia à Turma julgadora, de modo a concretizar o princípio em questão.
4. O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o desmembramento do feito em relação a imputados que não possuam prerrogativa de foro deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade daquela prerrogativa, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante. Precedentes.
5. Na espécie, o desmembramento foi ordenado após a realização das principais diligências, as quais poderiam restar infrutíferas se houvessem de ser coordenadas em diversas instâncias.
6. Exauriu-se, portanto, a necessidade da unidade da investigação, cuja manutenção vinha gerando prejuízos ao bom andamento do inquérito, dados a complexidade dos fatos e o elevado número de investigados.
7. A imbricação de condutas, em razão de conexão ou continência (arts. 76 e 77, CPP), com fatos imputados a Senador da República não é suficiente para atrair os agravantes à Suprema Corte, haja vista que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente.
8. Não se vislumbra, em razão da cisão do feito, a possibilidade de prejuízo relevante para a persecução penal ou para a defesa dos agravantes, que poderão exercê-la, de forma ampla, perante seus juízos naturais.
9. Agravos regimentais não providos.

SEXTO AG. REG. NO Inq N. 3.842-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental. Inquérito. Investigado sem prerrogativa de foro junto à Suprema Corte. Desmembramento. Questão de ordem suscitada por integrante da Turma no julgamento de outro recurso. Rejeição. Posterior cisão ordenada, monocraticamente, pelo Relator. Admissibilidade. Inexistência de preclusão para o Relator. Inteligência do art. 21, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Ausência de ofensa ao princípio da colegialidade. Submissão da matéria, ademais, ao colegiado, pela via do agravo interno. Excepcionalidade da competência originária do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Ausência de formação da opinio deliciti da Procuradoria-Geral da República em relação ao detentor de prerrogativa de foro. Alegada possibilidade de acusações distintas, a pretexto de que a formação da opinio delicti ficará a cargo de diferentes membros do Ministério Público Federal. Irrelevância. Consequência necessária do princípio do juiz natural. Possibilidade de correção de eventuais excessos de acusação pelas vias recursais apropriadas ou em sede de habeas corpus. Recurso não provido.
1. A negativa de desmembramento do feito, em questão de ordem rejeitada pelo Colegiado, não importou em preclusão da matéria para o relator, diante da natureza rebus sic stantibus daquela decisão.
2. Não houve ofensa ao princípio da colegialidade, uma vez que o relator pode determinar o desmembramento de inquéritos ou ações penais, com fundamento no art. 21, I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
3. Ademais, a própria interposição de agravo interno contra a decisão de desmembramento submete a controvérsia à Turma julgadora, de modo a concretizar o princípio em questão.
4. O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o desmembramento do feito em relação a imputados que não possuam prerrogativa de foro deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade daquela prerrogativa, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante. Precedentes.
5. Na espécie, o desmembramento foi ordenado após a realização das principais diligências, as quais poderiam restar infrutíferas se houvessem de ser coordenadas em diversas instâncias.
6. Exauriu-se, portanto, a necessidade da unidade da investigação, cuja manutenção vinha gerando prejuízos ao bom andamento do inquérito, dados a complexidade dos fatos e o elevado número de investigados.
7. A imbricação de condutas, em razão de conexão ou continência (arts. 76 e 77, CPP), com fatos imputados a Senador da República não é suficiente para atrair o agravante à Suprema Corte, haja vista que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente.
8. Irrelevante que a Procuradoria-Geral da República ainda não tenha formado a opinio delicti em relação às condutas em tese praticadas pelo titular de prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que a faculdade de se determinar o desmembramento do inquérito a tanto não está condicionada.
9. O fato de a formação da opinio delicti ficar a cargo de diferentes membros do Ministério Público Federal, como aduz o agravante,  em nada interfere no desmembramento do feito, por se tratar de uma consequência necessária do princípio do juiz natural, anotando-se que eventuais excessos de acusação que prejudiquem o agravante poderão ser corrigidos pelas vias recursais apropriadas ou em sede de habeas corpus.
10. Não se vislumbra, em razão da cisão do feito, a possibilidade de prejuízo relevante para a persecução penal ou para a defesa do agravante, que poderá exercê-la, de forma ampla, perante seu juízo natural.
11. Agravo regimental não provido.

Inq N. 3.731-DF
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Inquérito. Competência criminal originária. Penal. Processo Penal.
2. Inépcia da denúncia. Peculato. Denúncia que descreve que desvio em proveito da administração. Descrição suficiente da finalidade. Denúncia apta.
3. Inépcia da denúncia. Inexigibilidade de licitação. Prejuízo à administração ou finalidade específica de favorecimento. Elementos não não mencionados no texto da lei. Construção jurisprudencial. Não é exigível que a petição inicial os descreva com minudência. Denúncia apta.
4. Art. 312, caput, do Código Penal (peculato desvio). O desvio de recursos para finalidades públicas não configura o crime de peculato. O proveito à administração pública não se enquadra no conceito de proveito próprio ou alheio exigido pelo tipo penal. Desclassificação para o art. 315 do CP. Pronúncia da prescrição da pretensão punitiva em abstrato.
5. Art. 89 da Lei 8.666/93 (inexigibilidade indevida de licitação). Prova da inexigibilidade fora das hipóteses legais. Indícios de autoria.
6. Necessidade de demonstração de prejuízo ao erário e da finalidade específica de favorecimento indevido. Secretária de Estado. Pareceres pela conveniência e oportunidade da licitação e pela juridicidade da contratação direta. Ausência de indicativo de influência na escolha ou relação com a contratada. Preponderância da prova no sentido da inexistência do propósito de causar prejuízo ou favorecer indevidamente.
7. Denúncia rejeitada.
*noticiado no Informativo 813

Ext N. 1.396-DF
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA. REGULARIDADE FORMAL. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS.  DEFERIMENTO. 
1. O requerimento da Extradição formulado pelo Governo da Romênia em face de sua nacional preenche os requisitos formais da Lei n°  6.815/80 e do Tratado de Extradição, promulgado pelo Decreto n° 6.512/08. 
2. Estão presentes os pressupostos materiais: a dupla tipicidade e punibilidade de crime comum praticado por estrangeiro, e a falta de jurisdição brasileira sobre o fato.
3. No exame de delibação, próprio do julgamento de Extradição, somente é analisada a legalidade externa do pedido. Não se ingressa, portanto, nos pressupostos e na motivação da decisão proferida pela Justiça do Estado requerente. 
4. A circunstância de a extraditanda conviver com brasileiro não impede o atendimento do pedido. Precedentes. Inteligência da Súmula 421, do STF.
5.  Extradição deferida, devendo o Estado requerente assumir o compromisso de detração do tempo de prisão da extraditanda por força deste processo.
Acórdãos Publicados: 347



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Extradição - Tratado - Aplicação Retroativa - Excepcionalidade - Convenção de Viena - Condenação Penal - Inexistência - Irrelevância (Transcrições)

PPE 769/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: EXTRADIÇÃO. PRISÃO CAUTELAR. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL. PLEITO FORMULADO PELA INTERPOL A PEDIDO DO ESTADO ESTRANGEIRO. POSSIBILIDADE (LEI Nº 12.878/2013). OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS EM TRATADO BILATERAL DE EXTRADIÇÃO. “PACTA SUNT SERVANDA”. EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO RELATIVO À INVESTIGAÇÃO (“persecutio criminis”) SUBJACENTE AO PLEITO EXTRADICIONAL. INADMISSIBILIDADE. MODELO DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA ADOTADO PELO BRASIL EM TEMA DE EXTRADIÇÃO PASSIVA. DOUTRINA. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONTRA O SÚDITO ESTRANGEIRO. IRRELEVÂNCIA. ESPÉCIES DE EXTRADIÇÃO RECONHECIDAS PELO DIREITO BRASILEIRO E ADMITIDAS PELA PRÁTICA INTERNACIONAL. POSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO DE NATUREZA INSTRUTÓRIA. NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DE MANDADO DE PRISÃO. PRECEDENTES. A QUESTÃO DA IRRETROATIVIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS COMO CLÁUSULA GERAL DE CARÁTER ORDINÁRIO. A CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS (ARTIGO 28). POSSIBILIDADE JURÍDICA DA APLICAÇÃO RETROATIVA DOS TRATADOS DE EXTRADIÇÃO (pelo fato de que tais convenções internacionais não tipificam crimes nem cominam penas) A EVENTOS DELITUOSOS PERPETRADOS ANTES DE SUA CELEBRAÇÃO OU PROMULGAÇÃO. RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DESSA EFICÁCIA RETROATIVA, DESDE QUE EXCEPCIONALMENTE PREVISTA NO PRÓPRIO TRATADO DE EXTRADIÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES (STF). EXISTÊNCIA DESSA PREVISÃO NO TRATADO BILATERAL DE EXTRADIÇÃO BRASIL-CHINA (ARTIGO 22, n. 3). EXTRADITANDO CASADO COM BRASILEIRA E PAI DE CRIANÇA BRASILEIRA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 421/STF. CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO. PRECEDENTES ANTERIORES E POSTERIORES À CONSTITUIÇÃO DE 1988. RECEPÇÃO DESSE ENUNCIADO SUMULAR PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR INDEFERIDO.

DECISÃO: O ora extraditando formula pedido de revogação da prisão cautelar por mim anteriormente decretada (fls. 48/49).
O súdito estrangeiro em questão, para fundamentar esse pleito, apoia-se, em síntese, nas seguintes razões (fls. 81v., 82/82v., 88/88v. e 89):

“O requerente, ao contrário do que alega a REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, através de suas autoridades respectivas, o mesmo não é nenhum fugitivo;
Nota-se que o requerente entrou no BRASIL pelo aeroporto internacional de Guarulhos/SP, em 24/09/2014, com o objetivo de casar-se com sua namorada na época e atual esposa **, casamento realizado em 23/11/2015, conforme comprova a certidão de casamento autenticada em anexo;
Da união do casal, nasceu a filha ** em 20/08/2015, atualmente com 5 (cinco) meses conforme comprova pela também certidão de nascimento autenticada juntada nesta oportunidade;
Portanto, o requerente constituiu família no BRASIL, sendo que inclusive estava regularizando sua situação de estrangeiro perante as autoridades Brasileiras, onde solicitou expedição de RNE – registro nacional de estrangeiro, perante a Polícia Federal de São Paulo/SP, com a finalidade de permanecer definitivamente no BRASIL, declinando o seu atual endereço, para esta finalidade, onde reside com sua família sito à rua ** Nº **, APTO. **, EDIFÍCIO **, **, **, SÃO PAULO/SP, CEP **, seguindo cópia do contrato de locação e do protocolo da **/SR/SP 08505.106909/2015-96;
Nota-se que o requerente nunca teve a intenção de permanecer como foragido, pois sempre externou boa-fé em território nacional, onde trabalha para o seu sustento e de sua família, seguindo declaração de renda em anexo;
Embora ainda não tenha obtido nacionalidade brasileira, o mesmo constituiu FAMÍLIA EM TERRITÓRIO BRASILEIRO, sendo que a Constituição Federal em seu artigo 226 e seguintes, externa proteção especial à família;
Entendemos que, mediante todas estas circunstâncias, o requerente deveria ser ouvido por CARTA ROGATÓRIA, via Ministério das Relações Exteriores, sobre a acusação que recai contra sua pessoa aqui no BRASIL e não A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA se utilizar deste expediente extremo, pleiteando sua EXTRADIÇÃO, uma vez que não há qualquer condenação contra sua pessoa, apenas meras conjecturas, o que reflete uma incoerência para individualizar qualquer conduta contra sua pessoa, salientando ainda que os fatos ali tratados no processo não passam de uma acusação totalmente genérica;
A ilegalidade da prisão preventiva do requerente está patente, pelo fato do pedido extradicional não estar suficientemente instruído, aduzindo ainda, a desnecessidade desta prisão preventiva, considerando que a liberdade do requerente não enseja perigo para instrução processual promovida pelo GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA;
Ao verificar atentamente os documentos que estão acostados ao pleito do GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, e se encontram acostados às fls. 14 e às fls. 45 (ora reproduzidos em sua íntegra nas cópias que acompanham o presente), com a tradução às fls. 17/18 e 21/22, também daqueles autos, verifica-se que, em nenhum momento, foram trazidos ao pedido, documentos, sequer cópias simples, autenticadas ou mesmo certidões, que comprovassem a existência ou de sentença condenatória, ou de auto de prisão em flagrante delito, ou de tentativa de fuga do ora requerente, não cumprindo assim os requisitos dos artigos 80 e 82 da lei nº 6.815/80, ao contrário foi juntado aos autos pedido de outros 9 (nove) chineses suspeitos de crimes econômicos, conforme consta das fls. 24 à 46, que nada têm a ver com o requerente, causando até um tumulto processual;
Por mera argumentação, consta ainda que os fatos na China deram-se nos anos de 2009 a 2011, sendo que o requerente e um sócio haviam constituído uma empresa no período compreendido entre 01/08/2013 à 03/10/2014, datas totalmente divergentes com data de entrada do requerente no BRASIL pelo aeroporto internacional de Guarulhos/SP, que se verificou em 24/09/2014, ponderando ainda que o tratado de extradição entre BRASIL E CHINA – DECRETO Nº 8.431/2015, somente entrou em vigor em 09/04/2015, portanto muito depois de todos estes episódios aventados pelo GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA;
…...................................................................................................
A prisão preventiva para fins de extradição há de ser analisada caso a caso e, ainda que se lhe seja atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade, quando seriam avaliadas a sua necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito;
A prisão preventiva para a extradição do requerente subsiste há mais de 40 (quarenta) dias, sendo que o mesmo foi preso em 10/12/2015 e inexiste contra ele sentença de condenação nos autos do processo instaurado pela REPÚBLICA POPULAR DA CHINA;
Neste diapasão devem ser considerados os bons antecedentes do ora requerente, sopesando que o mesmo exerce atividade lícita no Brasil, constituiu família, esposa e filha brasileiras, as quais dependem do trabalho do requerente para o sustento do lar, possuindo ainda residência fixa, onde sempre declinou seu endereço à Polícia Federal de São Paulo, quando deu entrada ao pedido de seu RNE, devendo ser verificadas a necessidade e a compatibilidade desta custódia baseada no princípio da proporcionalidade, a fim de que esta seja limitada ao estritamente necessário;
…..................................................................................................
Posto isto, requer ao Ministro Relator a REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA EXTRADIÇÃO, para que o requerente aguarde solto o julgamento da Extradição nº 769 da REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, determinando a expedição de Alvará de Soltura à Polícia Federal de São Paulo/SP, onde poderá ser remetido o passaporte do extraditando ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, para fins de depósito, sendo que o extraditando deverá ser advertido sobre a impossibilidade de, sem autorização deste relator da Extradição no STF, deixar a cidade de seu domicílio no Estado de São Paulo, ficando obrigado ainda a atender a todos os chamados judiciais e comparecer semanalmente à uma Vara Criminal Federal determinada da Subsecção de São Paulo, para informar sobre suas atividades, onde ficará ciente que qualquer transgressão implicará na imediata revogação da medida a ser concedida, assinando termo de responsabilidade respectivo, termos em que, com o costumeiro respeito, PEDE DEFERIMENTO.” (grifei)

Assinalo, de início, que o pedido de prisão cautelar para efeitos extradicionais, embora não formulado por Estado estrangeiro, foi deduzido, no entanto, por instituição – a INTERPOL (fls. 03/18) – a que diploma legislativo outorgou legitimidade ativa para apresentar ao Ministério da Justiça referido pleito.
Com efeito, a Lei nº 12.878, de 04/11/2013, ao alterar o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), notadamente no que se refere ao disposto em seu art. 82, atribuiu essa especial qualidade jurídica à INTERPOL, fazendo-o nos seguintes termos:

“Art. 82. (…)
…...................................................................................................
§ 2º O pedido de prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro.” (grifei)

Por revelar-se admissível a formulação do pleito, decretei a prisão cautelar então requerida pela INTERPOL.
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de revogação da prisão cautelar ora questionada. E, ao fazê-lo, indefiro-o, consideradas as razões a seguir expostas.
Cabe observar que a prisão do súdito estrangeiro constitui, ordinariamente, pressuposto indispensável ao regular processamento da ação de extradição passiva. A privação da liberdade individual do extraditando deve perdurar até o julgamento final, pelo Supremo Tribunal Federal, do pedido de extradição (RTJ 166/200-201, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).
É por essa razão que o magistério da doutrina (MIRTÔ FRAGA, “O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado”, p. 339, 1985, Forense) – refletindo o entendimento jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte (RTJ 125/1037, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 140/136, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 149/374, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) – manifesta-se no sentido da indispensabilidade da prisão cautelar para efeitos extradicionais:

“A prisão do extraditando deve perdurar até o julgamento final da Corte. Não se admitem a fiança, a liberdade vigiada, a prisão domiciliar ou a prisão-albergue. A privação da liberdade, nessa fase, é essencial ao julgamento, é condição ‘sine qua non’ para o próprio encaminhamento do pedido ao Supremo Tribunal. Ela não tem nenhuma relação com a maior ou menor gravidade da infração, maior ou menor periculosidade do agente; ela visa, tão-somente, possibilitar a entrega, se a extradição vier a ser deferida. Afinal de contas, existe, no estrangeiro, uma ordem de prisão (art. 78, II) expedida contra o extraditando e há, em conseqüência, a presunção de que esteja fugindo à ação da Justiça do Estado requerente.” (grifei)

Impende registrar, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre a legitimidade constitucional da prisão preventiva para efeitos extradicionais, teve o ensejo de acentuar-lhe a plena compatibilidade com a vigente Constituição da República, considerada a recepção, pela Carta Política, da norma legal autorizadora dessa medida cautelar de ordem pessoal:

“‘Habeas Corpus’. 2. Prisão preventiva para extradição. Formalização do pedido de extradição. 3. A prisão preventiva para extradição não ofende o disposto no art. 5º, LIV, da Constituição, como é da jurisprudência desta Corte, que teve como recepcionada a norma dela autorizatória constante do Estatuto do Estrangeiro (…).”
(RTJ 179/780, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, Pleno – grifei)

Cumpre destacar, ainda, que o extraditando, de nacionalidade chinesa, está adequadamente identificado, cabendo ressaltar, tal como assinalado na decisão que lhe decretou a prisão cautelar, que o fato delituoso pelo qual o súdito chinês em referência está sendo investigado parece satisfazer, ao menos em princípio – e ressalvada a análise ulterior dessa questão –, a exigência imposta pelo critério da dupla tipicidade.
Com efeito, a investigação penal em curso na República Popular da China tem por objeto a suposta prática de delito previsto no Código Penal chinês (art. 176), que, em tese, encontraria correspondência típica no art. 16 da Lei nº 7.492/86, que define o crime de operação não autorizada de instituição financeira, ou, até mesmo, no art. 171 do Código Penal brasileiro, que prevê o estelionato.
Ao examinar os elementos descritivos da conduta imputada ao referido súdito chinês, observei, a título de mero registro, que atos de captação de recursos junto a pessoas físicas a pretexto de investi-los no mercado financeiro, com promessa de rendimentos, podem configurar delito contra o sistema financeiro nacional, nos termos da legislação brasileira, conforme assinala JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR (“Crimes Federais”, p. 381, 6ª ed., 2010, Livraria do Advogado Editora).
Diferentemente do que sustenta o ora extraditando, a representação dirigida pela Interpol/Brasil ao Ministro da Justiça refere-se, expressamente, a ** (fls. 04 e ss.), identificando-o de modo adequado e descrevendo-lhe o comportamento alegadamente criminoso mediante indicação de dados objetivos que viabilizariam a formulação do pedido de prisão cautelar (fls. 05/06).
Demais disso, qualquer discussão em torno do suposto envolvimento do súdito estrangeiro em causa nas práticas objeto de investigação penal no Estado requerente revelar-se-á inadequada na presente sede processual, eis que – como se sabe – o Brasil adotou, em tema de extradição passiva, o modelo de contenciosidade limitada, que se mostra incompatível com qualquer indagação em torno da prova subjacente ao procedimento penal motivador do pedido extradicional, inclusive a análise da suposta autoria do fato delituoso (Ext 1.171/Argentina, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e/ou da culpabilidade do extraditando.
Vale relembrar, por oportuno, que essa tem sido a orientação jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (Ext 1.121/EUA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Ext 1.126/República Federal da Alemanha, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.):

“(...) PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O ESTADO REQUERENTE.
– A ação de extradição passiva não confere, ordinariamente, ao Supremo Tribunal Federal qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional apoia-se, não cabendo, ainda, a esta Corte Suprema o exame aprofundado dos fatos subjacentes à acusação penal. Precedentes. Doutrina.
– O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal. (…).”
(Ext 1.334/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, assim, que nenhum relevo tem para o sistema extradicional vigente no Brasil a discussão probatória sobre a realidade material do fato delituoso, inclusive sobre o dolo motivador da conduta alegadamente delituosa, e sobre os elementos de convicção concernentes à autoria da prática criminosa atribuída ao extraditando (RTJ 160/105-106, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
E a razão é uma só: o modelo que rege, no Brasil, a disciplina normativa da extradição passiva – vinculado, quanto à sua matriz jurídica, ao sistema misto ou belga – não autoriza que se renove, no âmbito do processo extradicional, o litígio penal que lhe deu origem nem que se promova o reexame ou a rediscussão do mérito (RTJ 161/409-411 – RTJ 170/746-747, v.g.).
De outro lado, o ilícito penal em causa não parece incidir nas restrições que, estabelecidas pela lei brasileira (Lei nº 6.815/80, art. 76) e pelo tratado bilateral existente entre o Brasil e a República Popular da China (Artigo 3º), impediriam, caso ocorrentes, a efetivação da própria entrega extradicional.
Reconheço, portanto, que está suficientemente instruído o pedido de prisão preventiva para efeitos extradicionais, eis que se acham preenchidos, na espécie, os requisitos necessários ao seu atendimento, notadamente aqueles inscritos no Artigo 9º, nº 2, do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China (promulgado pelo Decreto 8.431/2015).
Impõe-se enfatizar, de outro lado, considerados os fundamentos subjacentes ao pleito de revogação da prisão cautelar, que não tem qualquer relevo jurídico o fato de inexistir, no momento, “sentença condenatória” contra o extraditando, pois, como se sabe, o ordenamento positivo brasileiro e o tratado bilateral de extradição Brasil/China expressamente reconhecem a possibilidade de formulação de pedido extradicional de caráter meramente instrutório.
Com efeito, o modelo extradicional vigente no Brasil admite 02 (duas) modalidades de extradição: (a) extradição executória (que supõe condenação penal, ainda que não transitada em julgado) e (b) extradição instrutória (que se satisfaz com a simples existência de investigação penal), sendo comum a ambas as espécies o requisito – atendido no caso – da existência de mandado de prisão.
Legítima, desse modo, a demanda extradicional que se apoie, unicamente, como sucede na espécie, na existência de investigação penal ou de processo judicial ainda em tramitação, desde que haja ordem de prisão emanada de autoridade competente segundo a legislação do Estado requerente (Ext 652/Alemanha, Rel. Min. CELSO DE MELLO):

“LEGITIMIDADE DA EXTRADIÇÃO DE CARÁTER INSTRUTÓRIO
– O fato de não existir condenação penal, mas simples investigação criminal ou processo judicial ainda em curso, desde que comprovada, em qualquer dessas situações, decretação de prisão cautelar, não constitui obstáculo jurídico à formulação de pedido de extradição, que se revestirá, então, de natureza meramente instrutória, que traduz, ao lado da extradição executória, expressivo instrumento de cooperação internacional na repressão aos delitos comuns. Precedente.”
(Ext 1.407/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Há, também, outro fundamento que o ora extraditando invoca como suporte do pedido de revogação de sua prisão cautelar. Esse súdito estrangeiro apoia o seu pleito na alegação de que “constituiu família em território brasileiro” (fls. 82).
Esse outro fundamento – casamento (ou união estável) de estrangeiro com brasileira – não atua como causa obstativa da extradição. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros precedentes (RTJ 155/34-35 – RTJ 177/1250-1251 – RTJ 183/42-43 – RTJ 191/17-18, v.g.), de que resultou a formulação da Súmula 421, tem salientado que o casamento com brasileiro ou brasileira (inclusive a união estável) não constitui obstáculo ao deferimento da extradição do súdito estrangeiro:

“(…) EXISTÊNCIA DE FAMÍLIA BRASILEIRA, NOTADAMENTE DE FILHO COM NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA – SITUAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A EXTRADIÇÃO – COMPATIBILIDADE DA SÚMULA 421/STF COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
– A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência ‘more uxorio’ do extraditando com pessoa de nacionalidade brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não impedindo, em consequência, a efetivação da extradição do súdito estrangeiro. Precedentes.
– Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro.
– A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradição. Precedentes.”
(Ext 1.073/República do Peru, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Melhor sorte não assiste, ainda, a esse súdito estrangeiro no ponto em que sustenta serem os fatos a ele imputados anteriores à promulgação do Tratado de Extradição Brasil/China, considerada a circunstância de que tratados internacionais – segundo alega – possuem, unicamente, eficácia prospectiva, não podendo, por isso mesmo, estender-se a eventos ocorridos no passado.
Sem razão o ora extraditando, pois referido tratado de extradição expressamente prevê, em seu Artigo 22, nº 3, que as suas disposições também serão aplicadas aos delitos cometidos antes de sua vigência.
Esse aspecto de ordem temporal põe em evidência a questão pertinente à retroatividade dos tratados internacionais, que constitui matéria sujeita a intensa discussão no plano doutrinário, valendo referir, nesse contexto, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) – hoje formalmente incorporada ao ordenamento positivo interno do Brasil (Decreto nº 7.030/2009) –, cujo Artigo 28, embora consagrando o princípio da irretroatividade, não impede que as Altas Partes Contratantes disponham diversamente nos tratados que venham a celebrar, tal como observa, em obra monográfica, JOSÉ FRANCISCO REZEK (“Direito dos Tratados”, p. 415, item n. 345, 1984, Forense):

“É primariamente lógico que nenhum tratado – como, de resto, nenhum fato humano – pode produzir qualquer efeito senão a partir do momento em que consumado. Admite-se, entretanto, que a norma jurídica expressa em tratado ou lei opere, desde quando vigente, em relação a fatos ou situações preexistentes. Isto é o que leva o nome de retroação, e que, nos tratados como nas leis, tem a marca da excepcionalidade.” (grifei)

Cabe referir, por oportuno, que esse entendimento – que excepcionalmente admite a aplicação retroativa dos tratados internacionais, ainda que em sede extradicional, desde que assim ajustado pelos Estados Partes – é também perfilhado por ilustres doutrinadores (MARCELO D. VARELLA, “Direito Internacional Público”, p. 93/94, item n. 4.1.2, 2009, Saraiva; VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, “Curso de Direito Internacional Público”, p. 279/280, 7ª ed., 2013, RT; YUSSEF SAID CAHALI, “Estatuto do Estrangeiro”, p. 264/265, item n. 26.9, 2ª ed., 2011, RT; GILDA MACIEL CORRÊA MEYER RUSSOMANO, “A Extradição no Direito Internacional e no Direito Brasileiro”, p. 47, 1981, RT; JUAN DE DIOS GIRALDO SUAREZ, “El Derecho de los Tratados”, p. 109, 1976, Ediciones Tenaces, Colômbia, v.g.).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao julgar essa questão em sede de processo extradicional, admitiu a possibilidade jurídica de o tratado internacional aplicar-se a fatos ocorridos anteriormente à sua celebração (Ext 759-ED/República Italiana, Rel. Min. MOREIRA ALVES), invocando, para tanto, nessa decisão, precedente firmado pelo Plenário desta Suprema Corte no julgamento da Ext 664/Reino da Espanha, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA:

“1. As normas extradicionais, legais ou convencionais, não constituem lei penal, não incidindo, em conseqüência, a vedação constitucional de aplicação a fato anterior da legislação penal menos favorável.”
(Ext 864/República Italiana, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Possível, desse modo, a aplicação retroativa de tratados de extradição, desde que – como sucede na espécie – haja expressa previsão pactuada pelos Estados celebrantes (Tratado de Extradição Brasil/China, Artigo 22, n. 3).
Mesmo que não fosse lícito conferir eficácia retroativa a tratado de extradição, tal circunstância não impediria a formulação de pedido extradicional, pois este – como se sabe – pode apoiar-se em outro fundamento jurídico, a promessa de reciprocidade (Ext 897/República Tcheca, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que constitui fonte formal do direito extradicional.
Não é por outra razão que esta Suprema Corte, ao pronunciar-se sobre o tema ora em análise, tem expressamente reconhecido essa possibilidade:

“A inexistência de tratado de extradição não impede a formulação e o eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal) formalmente transmitido por via diplomática. Doutrina. Precedentes.”
(Ext 953/Alemanha, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Sendo assim, e pelas razões expostas, indefiro o pedido de revogação da prisão cautelar do ora extraditando.
2. Assinalo, para efeito de registro, que a República Popular da China já formulou pedido de extradição de **, autuado, nesta Corte, como Ext 1.442/DF, cumprindo observar, por relevante, que esse pleito extradicional foi deduzido em tempo oportuno, vale dizer, no prazo de sessenta (60) dias a que se refere o Artigo 9º, nº 4, do tratado bilateral de extradição Brasil/China.
3. Apensem-se os presentes autos (PPE 769/DF) aos da Ext 1.442/DF, de que sou Relator.
Publique-se.

Brasília, 18 de fevereiro de 2016.


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 24.2.2016
**nomes suprimidos pelo Informativo



INOVAÇÕES LEGISLATIVAS


Medida Provisória nº 713, de 1º.3.2016 -  Altera a Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, para dispor sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre a remessa de valores destinados à cobertura de gastos pessoais, no exterior, de pessoas físicas residentes no País, em viagens de turismo, negócios, serviços, treinamento ou missões oficiais, e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção nº 1, Edição nº 41, p. 1, em 2.2.2016.

Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br


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FONTE - STF

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