sábado, 26 de abril de 2014

Reafirmada jurisprudência sobre competência da Justiça Federal para julgar mandado de segurança

Reafirmada jurisprudência sobre competência da Justiça Federal para julgar mandado de segurança
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou sua jurisprudência no sentido de que compete à Justiça Federal processar e julgar mandados de segurança contra atos de dirigentes de sociedade de economia mista investida de delegação concedida pela União. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 726035, interposto ao Tribunal por candidato eliminado em concurso da Petrobras, na fase de realização de exames médicos. A matéria teve repercussão geral reconhecida.
Em razão da eliminação, o candidato impetrou mandado de segurança perante a Justiça de Sergipe para questionar ato de gerente do Setor de Pessoal da empresa. Em primeira instância, o caso foi extinto sem julgamento de mérito e o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE), ao apreciar apelação, declarou de ofício sua incompetência absoluta para julgar o recurso, por entender que o caso deveria ser analisado pela Justiça Federal. Visando a reforma do acórdão da corte estadual, o recorrente interpôs RE ao Supremo.
Relator
De acordo com o relator, ministro Luiz Fux, a discussão de mérito presente no recurso é saber a quem compete julgar mandados de segurança impetrados contra atos praticados por pessoas de direito privado investidas de atividade delegada – se à Justiça Estadual ou Federal.
Inicialmente, o ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 109 (inciso VIII), estabelece a competência dos juízes federais para julgar MS e Habeas Data contra ato de autoridade federal. “Tratando-se de mandado de segurança, o que se leva em consideração é a autoridade detentora do plexo de competência para a prática do ato, ou responsável pela omissão que visa a coibir”.
A própria Lei 12.019/2009, que disciplina o mandado de segurança, prosseguiu o ministro, considera os dirigentes de pessoas jurídicas como autoridades federais, somente no que disser respeito a essas atribuições. Assim, como a sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica de direito privado, deve ser considerada autoridade federal quanto executa atos por delegação da União.
Por entender que o tema constitucional tratado nos autos transcende o interesse das partes envolvidas, “sendo relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico”, o relator manifestou-se pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria, e foi seguido por unanimidade. Quanto ao mérito, o ministro entendeu que o acórdão questionado “não merece reparos”, uma vez que se encontra em harmonia com a jurisprudência dominante do STF sobre a matéria. Dessa forma, ele negou provimento ao RE, vencido, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio.
Mérito
De acordo com o artigo 323-A do Regimento Interno do STF, o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também pode ser realizado por meio eletrônico.
MB/AD
Processos relacionados
RE 726035

FONTE - STF

STF INFORMATIVO - 740

Informativo STF

Brasília, 24 a 28 de março de 2014 - Nº 740.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.


SUMÁRIO


Plenário
Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 1
Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 2
Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 3
ADI: contratação temporária de professor - 1
ADI: contratação temporária de professor - 2
ADI: contratações por tempo determinado - 1
ADI: contratações por tempo determinado - 2
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 1
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 2
1ª Turma
Ação rescisória e executoriedade autônoma de julgados - 1
Ação rescisória e executoriedade autônoma de julgados - 2
2ª Turma
Pedido de reextradição e prejudicialidade
Cargo em comissão e provimento por pessoa fora da carreira
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Atendimento à Saúde da População - Encargo Municipal - CF, art. 30, VII (AI 759.543/RJ)
Inovações Legislativas
Outras Informações


PLENÁRIO

Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 1

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos I, II, IV e V do art. 7º da LC 100/2007, do Estado de Minas Gerais (“Art. 7º Em razão da natureza permanente da função para a qual foram admitidos, são titulares de cargo efetivo, nos termos do inciso I do art. 3º da Lei Complementar nº 64, de 2002, os servidores em exercício na data da publicação desta lei, nas seguintes situações: I - a que se refere o art. 4º da Lei nº 10.254, de 1990, e não alcançados pelos arts. 105 e 106 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado; II - estabilizados nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República; ... IV - de que trata a alínea ‘a’ do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.254, de 1990, admitidos até 16 de dezembro de 1998, desde a data do ingresso; V - de que trata a alínea ‘a’ do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.254, de 1990, admitidos após 16 de dezembro de 1998 e até 31 de dezembro de 2006, desde a data do ingresso.”). O dispositivo impugnado dispõe sobre a transformação de servidores atuantes na área de educação, mantenedores de vínculo precário com a Administração, em titulares de cargos efetivos, sem necessidade de concurso público.
ADI 4876/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 26.3.2014. (ADI-4876)



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Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 2

Preliminarmente, o Colegiado afastou suposta conexão com a ADI 3.842/MG. Asseverou que as ações diretas cuidariam de atos normativos distintos e autônomos. Rejeitou, ademais, assertiva de que o autor deveria impugnar as normas a que o art. 7º da LC estadual 100/2007 faz referência. Ainda em preliminar, repeliu argumento no sentido de que o autor deveria atacar cada um dos incisos do art. 7º com fundamentos específicos. No ponto, aduziu que a justificativa comum a todos os incisos seria a alegada ofensa ao art. 37, II, da CF. No mérito, o Tribunal reputou que o inciso III (“Art. 7º Em razão da natureza permanente da função para a qual foram admitidos, são titulares de cargo efetivo, nos termos do inciso I do art. 3º da Lei Complementar nº 64, de 2002, os servidores em exercício na data da publicação desta lei, nas seguintes situações: ... III - a que se refere o ‘caput’ do art. 107 da Lei nº 11.050, de 19 de janeiro de 1993”) da norma adversada seria hígido, pois referente a servidores que, de acordo com a lei nele referida, teriam sido aprovados mediante concurso público, para ocupação de cargos efetivos. No tocante aos demais incisos, porém, analisou que tratariam de pessoas contratadas por meio de convênios, sem concurso público, bem assim de servidores estáveis que seriam efetivados como titulares de cargos públicos, também sem concurso. Vencidos, em parte, os Ministros Joaquim Barbosa (Presidente), e Marco Aurélio, que julgavam o pedido totalmente procedente. Entendiam não haver justificativa plausível para a existência do inciso III, exceto para beneficiar servidores estáveis e não efetivos.
ADI 4876/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 26.3.2014. (ADI-4876)

Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos - 3

Em seguida, o Plenário, por decisão majoritária, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para, em relação aos cargos para os quais não houvesse concurso público em andamento ou com prazo de validade em curso, dar efeitos prospectivos à decisão, de modo a somente produzir efeitos a partir de 12 meses, contados da data da publicação da ata de julgamento. Esse seria tempo hábil para a realização de concurso público, para a nomeação e a posse de novos servidores. No ponto, a Corte sublinhou que a medida evitaria prejuízo aos serviços públicos essenciais prestados à população. No que se refere aos cargos para os quais existisse concurso em andamento ou dentro do prazo de validade, consignou que a decisão deveria surtir efeitos imediatamente. O Colegiado destacou, entretanto, que ficariam ressalvados dos efeitos da decisão: a) aqueles que já estivessem aposentados e aqueles servidores que, até a data de publicação da ata do julgamento, tivessem preenchidos os requisitos para a aposentadoria, exclusivamente para seus efeitos, o que não implicaria efetivação nos cargos ou convalidação da lei inconstitucional para esses servidores; b) os que tivessem se submetido a concurso público quanto aos cargos para os quais aprovados; e c) os servidores que adquiriram estabilidade pelo cumprimento dos requisitos previstos no art. 19 do ADCT. A respeito, o Ministro Ricardo Lewandowski salientou ser necessário preservar a situação de pessoas que, de boa-fé, teriam prestado serviço público como se efetivos fossem, ao abrigo de legislação aparentemente legítima. Seriam servidores públicos de fato, aos quais, em alguns casos, fora deferida regularmente a aposentadoria. Reputou que essas situações deveriam ser protegidas, como medida de justiça. Vencidos, no tocante à modulação, os Ministros Presidente e Marco Aurélio. O Presidente modulava os efeitos da decisão em menor extensão, para preservar apenas as situações jurídicas daqueles que, após prestarem serviços nos termos da lei ora declarada inconstitucional, estivessem aposentados ou preenchessem os requisitos para aposentadoria até a data de publicação da ata de julgamento, e desde que requeressem o benefício no prazo de um ano, contado da mesma data. O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, não modulava os efeitos da decisão.
ADI 4876/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 26.3.2014. (ADI-4876)

ADI: contratação temporária de professor - 1

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, proposta contra o art. 2º, VII, da Lei 6.915/1997, do Estado do Maranhão. Conferiu interpretação conforme a Constituição, de modo a permitir contratações temporárias pelo prazo máximo de 12 meses, contados do último concurso realizado para a investidura de professores. A norma impugnada disciplina a contração temporária de professores [“Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da administração direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei. Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público: (...) VII – admissão de professores para o ensino fundamental, ensino especial, ensino médio e instrutores para oficinas pedagógicas e profissionalizantes, desde que não existam candidatos aprovados em concurso público e devidamente habilitados”]. A Corte concluiu que a natureza da atividade pública a ser exercida, se eventual ou permanente, não seria o elemento preponderante para legitimar a forma excepcional de contratação de servidor. Afirmou que seria determinante para a aferição da constitucionalidade de lei, a transitoriedade da necessidade de contratação e a excepcionalidade do interesse público a justificá-la. Aludiu que seria possível haver situações em que o interesse fosse excepcional no sentido de fugir ao ordinário, hipóteses nas quais se teria condição social a demandar uma prestação excepcional, inédita, normalmente imprevista. Citou o exemplo de uma contingência epidêmica, na qual a necessidade de médicos em determinada região, especialistas em uma moléstia específica, permitiria a contratação de tantos médicos quantos fossem necessários para solucionar aquela demanda. Sublinhou que a natureza permanente de certas atividades públicas — como as desenvolvidas nas áreas de saúde, educação e segurança pública — não afastaria, de plano, a autorização constitucional para contratar servidores destinados a suprir uma demanda eventual ou passageira. Mencionou que seria essa necessidade circunstancial, agregada ao excepcional interesse público na prestação do serviço, o que autorizaria a contratação nos moldes do art. 37, IX, da CF.
ADI 3247/MA, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.3.2014. (ADI-3247)



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ADI: Contratação temporária de professor - 2
O Tribunal enfatizou que a citada lei maranhense explicitaria de modo suficiente as situações que caracterizariam a possibilidade de contratação temporária. Além disso, definiria o tempo de duração e vedaria prorrogação. Reputou que a autorização contida na norma questionada teria respaldo no art. 37, IX, da CF, e não representaria contrariedade ao art. 37, II, da CF. Ponderou que eventual inconstitucionalidade, se existisse, decorreria de interpretação desarrazoada que levaria ao desvirtuamento da norma, ao aplicá-la a casos desprovidos de excepcionalidade e que representassem necessidade de contratação duradoura. Esse fato subverteria a regra geral do concurso público como forma de acesso ao cargo público. Assinalou que a manutenção da norma impugnada no ordenamento jurídico não autorizaria o Estado do Maranhão a abandonar as atividades de planejamento, tampouco o desobrigaria de adequar seu quadro de professores efetivos à demanda de ensino. Pontuou que os termos do art. 2º, VII, da norma impugnada mereceriam interpretação conforme a Constituição, apenas para que a literalidade da norma não servisse a uma pretensa escolha do administrador entre a realização de concurso e as contratações temporárias. Ressaltou que a inexistência de “candidatos aprovados em concurso público e devidamente habilitados” pressuporia, por óbvio, a realização de um concurso público que, no entanto, não lograra satisfazer o quantitativo de vagas. Consignou que estaria caracterizada a necessidade de contratação temporária apenas dentro do lapso de 12 meses do encerramento do último concurso destinado a preencher vagas para essa finalidade. Fora dessa hipótese, haveria, em verdade, descumprimento da obrigação constitucional do Estado de realizar concursos públicos para preenchimento das vagas e formação de cadastro de reserva para atividades de caráter permanente. Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa (Presidente), que julgavam totalmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do referido preceito legal. Pontuavam que o inciso IX do art. 37 da CF, por ser exceção à regra do caput do art. 37, deveria ser interpretado restritivamente. Observavam que a cláusula final do inciso VII do art. 2º da aludida lei, no que versa uma condição — “desde que não existam candidatos aprovados em concurso público e devidamente habilitados” —, já sinalizaria que não se trataria de situação jurídica enquadrável no inciso IX do art. 37 da CF.
ADI 3247/MA, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.3.2014. (ADI-3247)

ADI: contratações por tempo determinado - 1

Em conclusão de julgamento, o Plenário julgou procedente, em parte, pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade das contratações por tempo determinado autorizadas para atender as atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas - HFA e aquelas desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, previstas no art. 2º, VI, d e g, da Lei 8.745/1993, com as alterações da Lei 9.849/1999. O Colegiado asseverou que a previsão de regulamentação contida no art. 37, IX, da CF (“A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”) criaria mecanismo de flexibilidade limitada para viabilizar a organização da Administração. Consignou que, além da limitação formal decorrente da exigência de lei, haveria limitação material, pela exigência cumulativa na discriminação de cada hipótese autorizadora da contratação temporária, quanto ao tempo determinado e à necessidade temporária de excepcional interesse público. Destacou que essas restrições contidas na Constituição vedariam ao legislador a edição de normas que permitissem burlas ao concurso público. Assinalou que, não obstante situações de nítida inconstitucionalidade, haveria margem admissível de gradações na definição do excepcional interesse público. Ponderou que o art. 4º da Lei 8.745/1993, ao fixar prazo máximo para a contratação, teria observado a primeira parte do inciso IX do art. 37 da Constituição. Quanto às contratações temporárias para o exercício de atividades finalísticas no âmbito do HFA, o Tribunal aduziu que a nota técnica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a justificar esse procedimento, não pareceria satisfatória a ponto de fundamentar essa medida. Pontuou que a alegada carência de recursos humanos no Poder Executivo e a indefinição jurídica resultante da inviabilidade atual de contratações por tempo determinado resultante da decisão desta Corte no julgamento da ADI 2.135 MC/DF (DJe de 7.3.2008), ADI 2.315/DF (DJU de 15.12.2004) e da ADI 2.310/DF (DJU de 15.12.2004) não seriam argumentos suficientes a embasar a excessiva abrangência da norma atacada. Enfatizou não desconhecer a perturbação, ainda que parcial, que eventual anulação dos contratos temporários provocaria nos serviços do HFA. Registrou que o art. 4º, II, da Lei 8.745/1993 estipularia o prazo máximo de contratação temporária fixado em um ano para as situações descritas na alínea d do inciso VI do art. 2º dessa norma. Assim, a Corte determinou que a declaração de inconstitucionalidade quanto às contratações pelo HFA passaria a ter efeito a partir de um ano após a publicação, no Diário Oficial da União, de sua decisão final. Esclareceu, ainda, que seriam permitidas as prorrogações a que se refere o parágrafo único do art. 4º da referida lei, nos casos de vencimento do contrato em período posterior ao término do julgamento, para a continuação dos contratos até o início dos efeitos dessa decisão.
ADI 3237/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.3.2014. (ADI-3237)



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ADI: contratações por tempo determinado - 2

Ao declarar a inconstitucionalidade das contratações por tempo determinado desenvolvidas no âmbito dos projetos do SIVAM e do SIPAM, previstas no art. 2º, VI, g, da Lei 8.745/1993, com as alterações da Lei 9.849/1999, o Tribunal frisou que, embora as notas técnicas do Ministério do Planejamento mencionassem que esses projetos teriam prazo definido para implementação e entrada em funcionamento, nos termos do Decreto 4.200/2002, essa norma não conteria limitação específica a indicar a transitoriedade das contratações. Salientou que seria necessário que a própria lei estipulasse metas e cronograma para justificar a situação excepcional. Considerou que a generalidade da lei questionada sugeriria a permanência das contratações temporárias. Limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, no tocante ao art. 2º, VI, g, da Lei 8.745/1993, para que ocorressem após quatro anos da publicação da decisão final da ação direta no Diário Oficial da União. Por fim, o Pleno julgou improcedente o pedido quanto à declaração de inconstitucionalidade do inciso IV do art. 2º da Lei 8.745/1993, referente à contratação temporária para atividades letivas. Sinalizou que o Ministério da Educação teria demonstrado que as limitações trazidas pela Lei 8.745/1993, em seu art. 2º, § 1º, seriam aptas a preservar o concurso público como regra. Mencionou as dificuldades apontadas por aquele Ministério nas contratações por concurso público para cargos efetivos, a envolver procedimentos cuja demanda de tempo poderia gerar danos irreversíveis do ponto de vista pedagógico. Não obstante mantida a norma, quanto aos professores temporários, concluiu que essas problemáticas não poderiam driblar a regra do concurso público.
ADI 3237/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.3.2014. (ADI-3237)

Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 1

Em face da renúncia do réu ao cargo de deputado federal, o Plenário, por maioria, assentou o declínio da competência do STF para prosseguir com o trâmite de ação penal na qual se imputa a suposta prática dos crimes de peculato e de lavagem de dinheiro, em concurso material e de pessoas. Por conseguinte, determinou a remessa do feito ao juízo de primeiro grau. Tratava-se de questão de ordem em que se discutia o eventual deslocamento da competência para o primeiro grau de jurisdição como consequência automática do ato de renúncia ao mandato. Na espécie, após o oferecimento de alegações finais pelo Procurador-Geral da República, o réu comunicara a esta Corte a renúncia ao cargo de deputado federal. Dias depois, a defesa apresentara suas razões finais. Inicialmente, o Colegiado destacou que a vigente Constituição estabelece extenso rol de autoridades com prerrogativa de foro, o que geraria disfuncionalidades no sistema. Assinalou, no ponto, a necessidade de se promover um diálogo institucional com o Poder Legislativo. Em seguida, distinguiu a situação dos autos do precedente firmado na AP 396/RO (DJe de 4.10.2013), ocasião na qual o Tribunal mantivera a sua competência para o exame da ação penal, não obstante a renúncia do réu, porquanto considerara ter havido abuso de direito e fraude processual na aludia renúncia, ocorrida após a inclusão do processo em pauta, na véspera do julgamento e com iminente risco de prescrição da pretensão punitiva. Consignou que, no presente caso, o processo já estaria instruído e pronto para ser julgado. Ademais, afastou eventual perigo de prescrição da pena em abstrato. Assim, adotou entendimento no sentido de que a perda do mandato, por qualquer razão, importaria em declínio da competência do STF. Vencido o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente. Asseverava que o exercício da prerrogativa de renúncia do parlamentar nesse momento processual tivera a finalidade de obstar o exercício da competência da Corte e a própria prestação jurisdicional.
AP 536 QO/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 27.3.2014. (AP-536)



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Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 2

O Ministro Roberto Barroso, relator, após fazer um retrospecto da jurisprudência da Corte quanto aos efeitos da renúncia ao mandato de parlamentar, propôs que o Tribunal definisse um critério geral na matéria. Reputou indispensável a fixação de marco temporal a partir do qual a renúncia não mais deveria produzir o efeito de deslocar a competência do STF para outro órgão. Mencionou que, na construção desse critério, existiriam três balizas a serem consideradas: a) o princípio do juiz natural; b) o caráter indisponível da competência jurisdicional do STF; e c) a natureza unilateral da renúncia ao mandato parlamentar. Tendo em conta esses parâmetros, assim como o fato de o processo penal instaurar-se com o recebimento da denúncia, o relator concluiu que, a partir do recebimento da inicial acusatória, mesmo que o parlamentar viesse a renunciar, a competência para o processo e julgamento da ação penal não se deslocaria. Salientou que essa solução estaria em consonância com o art. 55, § 4º, da CF (“Art. 55. ... § 4º. A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º”), que poderia ser aplicado por analogia. Os Ministros Teori Zavascki, Luiz Fux e Joaquim Barbosa endossaram a proposta. No entanto, o relator registrou que a controvérsia no caso concreto deveria ser resolvida sem a adoção do critério geral por ele formulado. Realçou que, na ação em julgamento, a renúncia se dera no momento em que se encontrava aberto o prazo para a defesa apresentar alegações finais e que a mudança substancial das regras do jogo afrontaria os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. Por outro lado, a Ministra Rosa Weber sugeriu como critério geral o encerramento da instrução processual (Lei 8.038/1990, art. 11). Frisou que a renúncia após o citado marco indicaria presunção relativa de que teria sido feita para afastar a competência do STF. O Ministro Dias Toffoli, por sua vez, aventou o lançamento, pelo relator da ação penal, do visto com a liberação do processo ao revisor. Os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio ponderaram que o exame sobre a ocorrência, ou não, do eventual exercício abusivo do direito de renunciar deveria ser feito caso a caso. Por fim, o Tribunal deliberou pela apreciação do tema em outra ocasião, uma vez que não fora alcançada a maioria absoluta no sentido da definição, para o futuro, de critério objetivo referente à preservação da competência penal originária da Corte na hipótese de renúncia do réu ao mandato parlamentar.
AP 536 QO/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 27.3.2014. (AP-536)



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PRIMEIRA TURMA

Ação rescisória e executoriedade autônoma de julgados - 1

Conta-se o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, do trânsito em julgado de cada decisão. Essa a conclusão da 1ª Turma, que proveu recurso extraordinário para assentar a decadência do direito e, por conseguinte, negar seguimento ao pedido rescisório. Discutia-se a conceituação da coisa julgada e o momento preciso em que ocorre o fenômeno, considerado o início da fluência do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória. Na espécie, o STJ considerara que o termo inicial para a propositura da ação rescisória seria a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos, ao fundamento de que não se poderia falar em fracionamento da sentença ou acórdão, o que afastaria a possibilidade de seu trânsito em julgado parcial. Aquele Tribunal apontara o caráter unitário e indivisível da causa e consignara a inviabilidade do trânsito em julgado de partes diferentes do acórdão rescindendo. Afirmara que o prazo para propositura de demanda rescisória começaria a fluir a partir da preclusão maior atinente ao último pronunciamento. Com essas premissas, o STJ dera provimento a recurso especial do Banco Central - Bacen para admitir o pedido rescisório, afastada a decadência reconhecida no TRF. Na origem, o TRF acolhera, em parte, pleito indenizatório formulado por corretora de valores em desfavor do Bacen. Deferira os danos emergentes e afastara os lucros cessantes, o que ensejara recurso especial por ambas as partes. O recurso do Bacen tivera sua sequência obstada pelo relator, desprovido o agravo regimental, com trânsito em julgado em 8.2.1994. O recurso especial da corretora de valores, que versava a matéria dos lucros cessantes, fora conhecido e desprovido, e sua preclusão ocorrera em 10.8.1994. O Bacen ajuizara a rescisória em 3.6.1996. No recurso extraordinário, alegava-se que o STJ, ao dar provimento ao especial e ao admitir a ação rescisória, teria olvidado, além da garantia da coisa julgada, os princípios da segurança jurídica e da celeridade processual.
RE 666589/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 25.3.2014. (RE-666589)

Ação rescisória e executoriedade autônoma de julgados - 2

A Turma consignou que, ao contrário do que alegado pelo Bacen, a matéria discutida nos autos teria natureza constitucional (CF, art. 5º, XXXVI). Asseverou que as partes do julgado que resolvem questões autônomas formariam sentenças independentes entre si, passíveis de serem mantidas ou reformadas sem dano para as demais. Ponderou que unidades autônomas de pedidos implicariam capítulos diferentes que condicionariam as vias de impugnação disponibilizadas pelo sistema normativo processual, consistentes em recursos parciais ou interpostos por ambos os litigantes em face do mesmo ato judicial formalmente considerado. Lembrou que, em recente julgamento, o STF concluíra pela executoriedade imediata de capítulos autônomos de acórdão condenatório e declarara o respectivo trânsito em julgado, excluídos aqueles capítulos que seriam objeto de embargos infringentes (AP 470 Décima Primeira-QO/MG, DJe de 19.2.2014). Destacou que esse entendimento estaria contido nos Enunciados 354 (“Em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”) e 514 (“Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”) da Súmula do STF. Frisou que o STF admitiria a coisa julgada progressiva, ante a recorribilidade parcial também no processo civil. Sublinhou que a coisa julgada, reconhecida no art. 5º, XXXVI, da CF como cláusula pétrea, constituiria aquela que pudesse ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas. Assinalou que, ao ocorrer, em datas diversas, o trânsito em julgado de capítulos autônomos da sentença ou do acórdão, ter-se-ia a viabilidade de rescisórias distintas, com fundamentos próprios. Enfatizou que a extensão da ação rescisória não seria dada pelo pedido, mas pela sentença, que comporia o pressuposto da rescindibilidade. Mencionou, ademais, o inciso II do Verbete 100 da Súmula do TST (“Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”). Esclareceu que a data de 8.2.1994 corresponderia ao termo inicial do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória, e não a de 20.6.1994, referente à preclusão da última decisão. Assim, formalizada a rescisória em 6.6.1996, estaria evidenciada a decadência do pleito. Outros precedentes citados: AR 903/SP (DJU de 17.9.1982) e AC 112/RN (DJe de 4.2.2005).
RE 666589/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 25.3.2014. (RE-666589)


SEGUNDA TURMA

Pedido de reextradição e prejudicialidade

O anterior deferimento de extradição a outro Estado não prejudica pedido de extradição por fatos diversos, mas garante preferência ao primeiro Estado requerente na entrega do extraditando. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma deferiu, em parte, pedido de extradição instrutória formulada pela República Italiana. No caso, a República Argentina requerera a extradição do acusado, deferida pela Corte nos autos da Ext 1.250/República Argentina (DJe de 24.9.2012), por suposto crime de tráfico e associação para o tráfico internacional de entorpecentes, em decorrência de fato que teria ocorrido em abril de 2008. Na presente extradição, a imputação referir-se-ia à hipotética prática de tráfico de entorpecente ocorrida entre novembro e dezembro de 2007. A Turma concluiu que o Estatuto do Estrangeiro permitiria a reextradição a outro país, desde que houvesse consentimento do Estado brasileiro (“Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: ... IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame”). Destacou que o Decreto 5.867/2006, que promulgou o Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul e a República da Bolívia e a República do Chile, também reafirma a possibilidade de reextradição a terceiro Estado (“Artigo 15. Da Reextradição a um Terceiro Estado. A pessoa entregue somente poderá ser reextraditada a um terceiro Estado com o consentimento do Estado Parte que tenha concedido a extradição, salvo o caso previsto na alínea ‘a’ do artigo 14 deste Acordo. O consentimento deverá ser solicitado por meio dos procedimentos estabelecidos na parte final do mencionado artigo”). Consignou a possibilidade de não efetivação da extradição pelo primeiro Estado requerente quando a extradição fosse instrutória e o estrangeiro viesse a ser absolvido, o que viabilizaria sua entrega ao segundo Estado requerente. Ademais, destacou que, caso a República da Argentina viesse a desistir da extradição, o estrangeiro poderia ser entregue ao Estado italiano. Ressalvou, em todas essas hipóteses, o cumprimento de pena por condenação no Brasil (Estatuto do Estrangeiro, art. 89). Quanto ao mérito, entendeu atendidos os requisitos da dupla tipicidade e da não ocorrência de prescrição. Por fim, afirmou que o fato de o extraditando possuir filho brasileiro não constituiria óbice ao deferimento da extradição.
Ext 1276/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.3.2014. (EXT-1276)

Cargo em comissão e provimento por pessoa fora da carreira

O cargo em comissão de Diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, não privativo de bacharel em direito, pode ser ocupado por pessoa estranha a esse órgão. Com base nessa orientação, a 2ª Turma negou provimento a agravo regimental em que sindicato reiterava alegação acerca da necessidade de provimento do aludido cargo, exclusivamente, por procuradores da Fazenda Nacional. A Turma considerou que as atividades desempenhadas pelo referido cargo não seriam essencialmente jurídicas, especialmente por não abarcarem consultoria e assessoramento, tampouco por não envolverem a coordenação da representação judicial ou extrajudicial da União na execução da dívida. Ademais, afirmou que o cargo em questão seria de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II). Consignou que a nomeação de auditor fiscal para o cargo encontraria respaldo na Lei 11.890/2008, que permite aos integrantes da Auditoria da Receita Federal — servidores de outra carreira — ter exercício na PGFN. Destacou que, se todas as atividades desenvolvidas pela PGFN fossem de natureza jurídica, conforme aduzido pelo ora agravante, não haveria subordinação administrativa ao Ministro de Estado da Fazenda.
RMS 29403 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 25.3.2014. (RMS-29403)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno26.3.201427.3.20146
1ª Turma25.3.2014173
2ª Turma25.3.2014265



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 24 a 28 de março de 2014

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 794.364-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DISTRITO FEDERAL. LEI DISTRITAL 4.075/07. GRATIFICAÇÃO DE ENSINO ESPECIAL (GAEE). CONCESSÃO A PROFESSORES QUE LECIONAM DISCIPLINAS REGULARES EM TURMAS QUE POSSUEM UM OU ALGUNS ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa à concessão da Gratificação de Ensino Especial (GAEE) aos professores que lecionam disciplinas regulares em turmas que possuem um ou alguns alunos portadores de necessidades educativas especiais, embora não atendam exclusivamente a esses estudantes, é de natureza infraconstitucional, já que decidida pelo Tribunal de origem à luz do art. 232, § 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, não havendo, portanto, matéria constitucional a ser analisada.
2. Não há violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal, por suposta omissão não sanada pelo acórdão recorrido ante o entendimento da Corte que exige, tão somente, sua fundamentação, ainda que sucinta (AI 791.292 QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 13.8.2010).
3. Incabível, em recurso extraordinário, apreciar violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 37, caput, da Constituição Federal, em razão de necessidade de revisão da interpretação das normas infraconstitucionais pertinentes (AI 796.905-AgR/PE, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 21.5.2012; AI 622.814-AgR/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 08.3.2012; ARE 642.062-AgR/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 19.8.2011).
4. Não houve emissão, pelo acórdão recorrido, de juízo acerca da matéria de que trata a norma inserta no art. 37, X, da Constituição Federal, tampouco a questão foi suscitada no momento oportuno, em sede dos embargos de declaração. Aplica-se, ao caso, o óbice das súmulas 282 e 356 do STF.
5. A norma constitucional que preconiza a harmonia e independência entre os Poderes da União, pela sua generalidade, é insuficiente para infirmar o específico juízo formulado pelo acórdão recorrido no caso. Incidência do óbice da Súmula 284/STF.
6. Com relação à inconstitucionalidade do art. 232, § 1º, da LODF, a parte recorrente não apontou, nas suas razões recursais, os dispositivos constitucionais tidos por violados. Aplicação do óbice da Súmula 284/STF.
7. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Constituição Federal se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, Pleno, DJe de 13/03/2009).
8. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.

Decisões Publicadas:1



C L I P P I N G  D O  D J E

24 a 28 de março de 2014

RE N. 595.168-BA
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. INDENIZAÇÃO. EXAURIMENTO DO PERÍODO VINTENÁRIO PARA RESGATE. COMPLEMENTAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PAGAMENTO EM TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA COMPLEMENTARES. IMPOSSIBILIDADE. PRECATÓRIO. RECURSO IMPROVIDO.
I – Exaurido o período vintenário para resgate dos títulos da dívida agrária, o pagamento complementar da indenização fixada na decisão final da ação expropriatória deve ser efetuado na forma do art. 100 da Constituição, e não em títulos da dívida agrária complementares, em atenção ao princípio da prévia e justa indenização nas desapropriações por interesse social e em observância ao sistema de pagamento das condenações judiciais impostas à Fazenda Pública.
II – Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido.
*noticiado no Informativo 714

AG. REG. NOS DÉCIMOS QUARTOS EMB. INFR. NA AP 470-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS INFRINGENTES. REQUISITO OBJETIVO DE ADMISSIBILIDADE. REGRA DO ART. 333, I, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPUGNAÇÃO DAS PENAS. INADMISSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO APENAS QUANTO AO JUÍZO DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL, QUANDO EXISTENTES, NO MÍNIMO, QUATRO VOTOS ABSOLUTÓRIOS. CONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE AMPLIAÇÃO DA HIPÓTESE LEGAL DE CABIMENTO. INCOMPETÊNCIA DO STF PARA LEGISLAR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
É manifestamente incabível a interposição de embargos infringentes sem que existam, no mínimo, quatro votos absolutórios, como estabelecido no artigo 333, I, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
O agravante, em nenhuma das condenações objeto do presente recurso, atende a esse requisito legal de cabimento dos embargos infringentes.
A pretensão do agravante de ver suprimida a expressão “sessão secreta”, para permitir os embargos infringentes em todos os julgamentos criminais, independentemente do quórum de votos vencidos, já foi rejeitada por esta Corte no julgamento de agravo regimental interposto por corréu nesta mesma ação penal.
Não há previsão de cabimento dos Embargos Infringentes contra apenas parte do acórdão condenatório, como a dosimetria. O art. 333, I, do RISTF, restringe o âmbito recursal ao juízo de procedência da ação penal, oferecendo ao réu uma nova chance de obter a absolvição, e não de rediscutir todas as decisões proferidas no acórdão. Descabida a pretensão de aplicar o art. 333, I, parágrafo único, à luz disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, pois a norma geral não derroga a norma especial.
O direito ao duplo grau de jurisdição não dispensa a necessidade de que sejam observados os requisitos impostos pela legislação para o cabimento de um recurso, qualquer que seja ele. É a lei que cria o recurso cabível contra as decisões e estabelece os requisitos que autorizam a sua interposição, ausente previsão de recurso ex officio ou reexame obrigatório, independentemente do preenchimento dos pressupostos recursais específicos.
Agravo regimental desprovido.
*noticiado no Informativo 735

REFERENDO EM MED. CAUT. EM ADPF 307-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida cautelar. Referendo. Ato do Poder Executivo do Estado da Paraíba.  Redução, no Projeto de Lei Orçamentária de 2014 encaminhado pelo Governador do Estado da Paraíba à Assembleia Legislativa, da proposta orçamentária da Defensoria Pública do Estado. Cabimento da ADPF.  Mérito. Violação de preceito fundamental contido no art. 134, § 2º, da Constituição Federal. Autonomia administrativa e financeira das Defensorias Públicas estaduais. Medida cautelar confirmada.
1. A Associação Nacional dos Defensores Públicos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não detém legitimidade ativa para mandado de segurança quando a associação e seus substituídos não são os titulares do direito que pretende proteger. Precedente: MS nº 21.291/DF-AgR-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 20/10/95. Resta à associação a via da arguição de descumprimento de preceito fundamental, único meio capaz de sanar a lesividade alegada.
2. A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado.
3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostas orçamentárias dos órgãos dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-las para a análise do Poder Legislativo. Não se cuida de controle preventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, ma, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo.
4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes: ADI nº 3965/MG, Tribunal Pleno, Relator a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI nº 4056/MA, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1/8/12; ADI nº 3569/PE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 11/5/07. Nos termos do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, não é dado ao chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira.
5. Medida cautelar referendada.
*noticiado no Informativo 733

ADI N. 119-RO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos e expressões da Constituição do Estado de Rondônia, promulgada em 28 de setembro de 1989, e das suas Disposições Constitucionais Transitórias. Parcial prejudicialidade. Alteração substancial. Eficácia exaurida. Procedência parcial do pedido. Autonomia financeira do Tribunal de Contas. Disponibilidade remunerada a ex-detentor de mandato eletivo. Representação de inconstitucionalidade em âmbito estadual.
1. Os arts. 101 e 102 da Constituição do Estado, os quais delineavam as competências e as prerrogativas do Ministério Público local e de seus membros, sofreram substanciais alterações com a Emenda Constitucional estadual nº 20/2001, de forma que restaram descaracterizadas as previsões originalmente neles contidas, ocorrendo, assim, a prejudicialidade do exercício do controle abstrato de normas. Precedentes.
2. O art. 37 do ADCT da Constituição do Estado de Rondônia, por meio do qual foi anistiada a dívida da Assembleia Legislativa em relação ao Instituto de Previdência do Estado de Rondônia (IPERON), referente à contribuição previdenciária dos servidores daquela Assembleia consolidada até o mês de março de 1989, já produziu todos os seus efeitos jurídicos, tratando-se de norma de eficácia exaurida. Precedentes.
3. O autor ataca trecho do art. 50 da Carta estadual que outorgou ao Tribunal de Contas do Estado, além da capacidade de autogestão, a autonomia de caráter financeiro. Constitucionalidade decorrente da outorga à Corte de Contas das mesmas garantias dadas ao Poder Judiciário (arts. 73 e 96 da CF/88), o que inclui a autonomia financeira.
4. É inconstitucional a garantia da disponibilidade remunerada ao ex-detentor de mandato eletivo, com a opção pelo retorno ou não às atividades, se servidor público, após o encerramento da atividade parlamentar. Não conformidade com o Texto Magno, por ofensa ao regime constitucional da disponibilidade do servidor público (art. 41, §§ 2º e 3º, CF/88) e à regra de afastamento do titular de cargo público para o exercício de mandato eletivo (art. 38, CF/88). No caso específico do Estado de Rondônia, a Corte já declarou a inconstitucionalidade de preceito similar inserido na Constituição estadual pela Emenda nº 3/92 (ADI nº 1.255/RO, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ  de 6/9/01).
5. Não é inconstitucional norma da Constituição do Estado que atribui ao procurador da Assembleia Legislativa ou, alternativamente, ao procurador-geral do Estado, a incumbência de defender a constitucionalidade de ato normativo estadual questionado em controle abstrato de constitucionalidade na esfera de competência do Tribunal de Justiça. Previsão que não afronta a Constituição Federal, já que ausente o dever de simetria para com o modelo federal, que impõe apenas a pluralidade de legitimados para a propositura da ação (art. 125, § 2º, CF/88). Ausência de ofensa ao art. 132 da Carta Política, que fixa a exclusividade de representação do ente federado pela Procuradoria-Geral do Estado, uma vez que nos feitos de controle abstrato de constitucionalidade nem sequer há partes processuais propriamente ditas, inexistindo litígio na acepção técnica do termo.
6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.
*noticiado no Informativo 736

ADI N. 179-RS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de 21 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Fixação de prazo para o Poder Executivo encaminhar proposições legislativas e praticar atos administrativos. Conhecimento parcial. Posterior regulamentação. Prejudicialidade. Mérito. Ofensa à competência legislativa privativa da União (art. 22, VII e XX, CF/88). Violação do postulado da  separação dos Poderes. Inconstitucionalidade.
1. Exaurimento dos efeitos de parte dos preceitos transitórios impugnados, pois, com a edição dos diplomas legislativos regulamentadores, foram atendidos em plenitude os comandos questionados, os quais se restringiam a determinar que o Poder Executivo encaminhasse, em certo prazo, à Assembleia Legislativa os projetos de lei sobre as matérias ali versadas. Prejudicialidade da ação na parte em que são impugnados o parágrafo único do art. 7º; o parágrafo único do art. 12; o inciso I do art. 16; o § 1º do art. 25; o art. 57; e o art. 62, todos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
2. Os arts. 19 e 29 do ADCT da Constituição do Rio Grande do Sul incidem em inconstitucionalidade formal, por ofensa às regras de competência legislativa privativa da União (art. 22, VII e XX, CF/88). Criação de loterias e implantação do seguro rural no Estado. Embora ausente conteúdo normativo obrigacional ou estruturador, o simples comando de produção legislativa abre margem para que o Estado do Rio Grande do Sul edite diplomas sobre matérias que não lhe são afetas, como decorre da repartição de competências estabelecida na Constituição Federal.
3. É inconstitucional qualquer tentativa do Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual, porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao Chefe daquele poder. Os dispositivos do ADCT da Constituição gaúcha, ora questionados, exorbitam da autorização constitucional de auto-organização, interferindo indevidamente na necessária independência e na harmonia entre os Poderes, criando, globalmente, na forma nominada pelo autor, verdadeiro plano de governo, tolhendo o campo de discricionariedade e as prerrogativas próprias do chefe do Poder Executivo, em ofensa aos arts. 2º e 84, inciso II, da Carta Magna.
4. Ação direta de inconstitucionalidade de que se conhece  parcialmente e que se julga, na parte de que se conhece, procedente.
*noticiado no Informativo 736

ADI N. 668-AL
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso XII do art. 55 da Constituição do Estado de Alagoas. Vinculação de vencimentos de servidores estaduais a piso salarial profissional. Artigo 37, XIII, CF/88. Autonomia dos estados. Liminar deferida pelo pleno desta Corte. Procedência.
1. Enquanto a Lei Maior, no inciso XIII do art. 37,  veda a vinculação de “quaisquer espécie remuneratórias para efeitos de remuneração de pessoal do serviço público”, a Constituição do Estado de Alagoas, diversamente, assegura aos servidores públicos estaduais “piso salarial profissional para as categorias com habilitação profissional específica”, o que resulta em vinculação dos vencimentos de determinadas categorias de servidores públicos às variações do piso salarial profissional, importando em sistemática de aumento automático daqueles vencimentos, sem qualquer interferência do chefe do Poder Executivo do Estado, ferindo-se, ainda, o próprio princípio federativo e a autonomia dos estados para fixar os vencimentos de seus servidores (arts. 2º e 25 da Constituição Federal).
2. A jurisprudência da Corte é pacífica no que tange ao não cabimento de qualquer espécie de vinculação da remuneração de servidores públicos, repelindo, assim, a vinculação da remuneração de servidores do Estado a fatores alheios à sua vontade e ao seu controle; seja às variações de índices de correção editados pela União; seja aos pisos salariais profissionais. Precedentes.
3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
*noticiado no Informativo 736

RE N. 357.148-MT
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EDUCAÇÃO – DIREITO FUNDAMENTAL – ARTIGOS 206, INCISO IV, E 208, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ENSINO PROFISSIONALIZANTE – ESTADO – ALIMENTAÇÃO – COBRANÇA – IMPROPRIEDADE. Ante o teor dos artigos 206, inciso IV, e 208, inciso VI, da Carta de 1988, descabe a instituição pública de ensino profissionalizante a cobrança de anuidade relativa à alimentação.
*noticiado no Informativo 737

Acórdãos Publicados: 466



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Atendimento à Saúde da População - Encargo Municipal - CF, art. 30, VII (Transcrições)

AI 759.543/RJ*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO À POPULAÇÃO NO HOSPITAL MUNICIPAL SOUZA AGUIAR. DEVER ESTATAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AOS MUNICÍPIOS (CF, ART. 30, VII). CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796). A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO. A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197). A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO). DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL.

2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: INSTRUMENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO JURISDICIONAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, III). A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO “DEFENSOR DO POVO” (CF, ART. 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

DECISÃO: O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento foi interposto contra acórdão que, confirmado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, em sede de embargos de declaração (fls. 926/930), está assim ementado (fls. 896):

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MELHORIA DE ATENDIMENTO NO HOSPITAL MUNICIPAL SOUZA AGUIAR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. ART 1º DA LEI Nº 7.347/85.
1. A ausência de emissão de juízo de valor na origem, nem mesmo no âmbito dos embargos de declaração, dos dispositivos processuais invocados como contrariados implica ausência de prequestionamento, requisito essencial ao conhecimento do recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
2. A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público funções da maior relevância, atribuindo-lhe um perfil muito mais dinâmico do que ocorria no antigo ordenamento jurídico, entre elas a competência para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), por meio da ação civil pública (art. 129, III).
3. A legislação de regência da ação civil pública garante ao ‘Parquet’ a utilização desse meio processual como forma de defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ou de outros interesses difusos e coletivos e de interesses individuais homogêneos.
4. É cabível o ajuizamento da presente ação civil pública que pugna pela defesa de interesses difusos, considerando-se que a tutela pretendida – direito à saúde (art. 6º da CF) – é indivisível, pois visa atingir a um número indeterminado de pessoas, ou seja, aquelas que são atendidas pelo Hospital Municipal Souza Aguiar.
5. Apoiado na conclusão do inquérito civil, o pedido formulado pelo Ministério Público não se mostra genérico, tampouco está baseado em reparação de danos, porque consistiu na condenação do Município na obrigação de fazer novas contratações, mediante concurso, para compor os quadros do Hospital Souza Aguiar de pessoal da área médica, assim como de renovar os contratos com técnicos de manutenção dos equipamentos existentes e compra de novos, como forma de garantir atendimento adequado e satisfatório, com o que se estará cumprindo o mandamento constitucional de proteção à saúde, obrigação a que o Município vem se omitindo.
6. Recurso especial conhecido em parte e não provido.”
(REsp 947.324/RJ, Rel. Min. CASTRO MEIRA – grifei)

O Município do Rio de Janeiro, parte agravante, sustenta que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária teria transgredido diversos preceitos inscritos na Constituição da República.
O Ministério Público Federal, em manifestação da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO DA ROCHA CAMPOS, opinou pelo improvimento do apelo extremo em questão (fls. 2.084/2.088).
Sendo esse o contexto, passo a apreciar a pretensão recursal deduzida pelo Município do Rio de Janeiro/RJ. E, ao fazê-lo, assinalo, por relevante, que o exame desta causa convence-me da inteira correção dos fundamentos que dão suporte à decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário em questão e que informam e dão consistência ao seu v. acórdão.
Cabe acentuar, desde logo, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Isso significa, portanto, que a legitimidade ativa “ad causam” do Ministério Público para propor ação civil pública visando à defesa do direito à saúde (AI 655.392/RS, Rel. Min. EROS GRAU – AI 662.339/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 462.416/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.) tem o beneplácito da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade. Precedentes.
1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde.
2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes.
3. A Administração não pode invocar a cláusula da ‘reserva do possível’ a fim de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária.
4. Agravo regimental não provido.”
(AI 674.764-AgR/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)

“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.
2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.”
(AI 734.487-AgR/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

A atuação do Ministério Público em defesa de direitos e interesses metaindividuais, viabilizada, instrumentalmente, por meio processual adequado (a ação civil pública, no caso), que lhe permite invocar a tutela jurisdicional do Estado com o objetivo de fazer com que os Poderes Públicos respeitem, em favor da coletividade, os serviços de relevância pública (CF, art. 129, II), como se qualificam, constitucionalmente, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), legitima-se, plenamente, em decorrência da condição institucional de verdadeiro “defensor do povo” que é conferida ao “Parquet” pela própria Constituição da República.
Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro “defensor do povo” (HUGO NIGRO MAZZILLI, “Regime Jurídico do Ministério Público”, p. 224/227, item n. 24, “b”, 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias, o que lhe permite valer-se das ações coletivas, como as ações civis públicas, que representam poderoso instrumento processual concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política.
Tenho para mim, desse modo, que se revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo – hipótese em que estará presente “o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127 ‘caput’ e CF 129 IX)” (NELSON NERY JUNIOR, “O Ministério Público e as Ações Coletivas”, “in” Ação Civil Pública, p. 366, coord. por Édis Milaré, 1995, RT – grifei) –, a defesa de direitos impregnados de transindividualidade, porque revestidos de inegável relevância social (RTJ 178/377-378 – RTJ 185/302, v.g.), como sucede com o direito à saúde, que traduz prerrogativa jurídica de índole eminentemente constitucional.
Reconhecida, assim, a adequação da via processual eleita, para cuja instauração o Ministério Público dispõe de plena legitimidade ativa (CF, art. 129, III), impõe-se examinar a questão central da presente causa e verificar se se revela possível ao Judiciário, sem que incorra em ofensa ao postulado da separação de poderes, determinar a adoção, pelo Município, quando injustamente omisso no adimplemento de políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, de medidas ou providências destinadas a assegurar, concretamente, à coletividade em geral, o acesso e o gozo de direitos afetados pela inexecução governamental de deveres jurídico-constitucionais.
Observo, quanto a esse tema, que, ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):

“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”

Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam – enquanto direitos de segunda geração (ou de segunda dimensão) – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal:

“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
…...................................................................................................
- A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
Corretíssimo, portanto, o v. acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que bem examinou a controvérsia constitucional, dirimindo-a com apoio em fundamentos que têm o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (fls. 773/780).
Vale destacar, por oportuno, fragmento dessa unânime decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça local, cujo teor acha-se reproduzido, no ponto que interessa à resolução do presente litígio, em acórdão assim ementado (fls. 773):

“(...) O pedido não é inconstitucional, nem juridicamente impossível. O art. 6º da CF/88 estabeleceu entre os direitos sociais, fundamentais ao cidadão, o direito à saúde, e o inciso VII do art. 30 fixa a competência do Município para prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, o atendimento à saúde. Se o Município se omite em manter a viabilidade da assistência à saúde, chegando a por em risco a vida dos que se dirigem ao Hospital, pode o Judiciário obrigá-lo a tomar providências, sem que tal signifique intromissão indevida em outro Poder, mas em cumprimento ao que dispõe a Constituição e o SUS. A alocação de novos médicos e a falta de verbas orçamentárias, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal, não afastam a obrigação do Município de manter serviços de saúde satisfatórios. Reforma da sentença, adotando-se os fundamentos do parecer ministerial e de recente decisão do STF na ADPF 45. Fixação do prazo para as providências em um ano a contar da data da aprovação da lei orçamentária anual, que ocorrer imediatamente após o trânsito em julgado da decisão. (…).” (grifei)

Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.
Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:

“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
.......................................................................................................
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
…...................................................................................................
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
.......................................................................................................
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (LUÍS FERNANDO SGARBOSSA, “Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos”, vol. 1, 2010, Fabris Editor; STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar; FLÁVIO GALDINO, “Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos”, p. 190/198, itens ns. 9.5 e 9.6, e p. 345/347, item n. 15.3, 2005, Lumen Juris), notadamente em sede de efetivação e implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Município, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.
O caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei)

Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito que o Município do Rio de Janeiro deduziu em sede recursal extraordinária.
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde – que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro.
Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido:

“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.”
(RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde (CF, arts. 6º e 196) – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) –, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa – como anteriormente já acentuado – fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
Entendo, por isso mesmo, como já anteriormente assinalado, que se revela inviável o recurso extraordinário deduzido pelo Município do Rio de Janeiro, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise.
Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.
É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.
A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.
As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).
O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
A percepção da gravidade e das consequências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.).
O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.
Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.
- O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório – infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.
- O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).”
(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal.
O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental, conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção, e, desse modo, viabilizou o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.
Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado no caso ora em julgamento.
Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor; INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in” Interesse Público, p. 91/107, n. 12, 2001, Notadez; THAIS MARIA RIEDEL DE RESENDE ZUBA, “O Direito Previdenciário e o Princípio da Vedação do Retrocesso”, p. 107/139, itens ns. 3.1 a 3.4, 2013, LTr, v.g.).
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na hipótese – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.
Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/321, item n. 3, 1998, Almedina):

“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social.
A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.” (grifei)

Bem por isso, o Tribunal Constitucional português (Acórdão nº 39/84), ao invocar a cláusula da proibição do retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal que revogara garantias já conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão assim resumida pelo ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto voto de que extraio o seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional, Lisboa):

“Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa – a criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica –, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição.
…...................................................................................................
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde, portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do ‘Estado social’.” (grifei)

Em suma: as razões ora expostas convencem-me da inviabilidade do recurso extraordinário deduzido pelo Município do Rio de Janeiro, seja em face das considerações expendidas, nesta causa, pelos v. acórdãos proferidos pelo E. Superior Tribunal de Justiça (fls. 877/897) e pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (fls. 773/780), seja, ainda, em virtude dos próprios fundamentos que dão suporte ao parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO DA ROCHA CAMPOS, que, no ponto, assim se pronunciou (fls. 2.087):

“12. Neste sentido, o caráter programático das normas constitucionais referentes ao direito universal à saúde não permite que o Estado, em nome de sua discricionariedade na definição das políticas públicas, furte-se a praticar atos assecuratórios de um serviço público de saúde de qualidade, não estando impedido o Poder Judiciário, por certo, de proceder à tutela dos direitos garantidos por tais normas.” (grifei)

Isso significa, portanto, considerada a indiscutível primazia constitucional reconhecida à assistência à saúde, que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de saúde pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a saúde dos cidadãos, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo Município (CF, art. 30, VII), das normas inscritas nos arts. 196 e 197 da Constituição da República, que traduzem e impõem, ao próprio Município, um inafastável dever de cumprimento obrigacional, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da cidadania e que é, no contexto que ora se examina, o direito à saúde.
Desse modo, entendo assistir razão aos acórdãos proferidos pelo E. Superior Tribunal de Justiça e pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que se ajustam à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame.
Sendo assim, e em face das razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordinário a que ele se refere.

Publique-se.
Brasília, 28 de outubro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 11.11.2013

FONTE - STF