domingo, 13 de dezembro de 2015

Indenização: STJ garante direito a cliente que teve roubadas joias em penhor na Caixa

DECISÃO

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a uma consumidora o ressarcimento integral do valor de mercado de suas joias oferecidas como garantia em contrato de penhor realizado com a Caixa.

O contrato de penhor é uma linha de crédito ágil em que o cliente entrega o bem como garantia e recebe o dinheiro na hora, sem análise cadastral ou avalista. Depois, basta pagar o empréstimo e pegar de volta o objeto penhorado.
No caso, a consumidora viajaria durante dois meses e não achou seguro deixar suas joias em casa. Assim, procurou uma agência da Caixa para deixar 34 peças, avaliadas em R$ 1.857.
Algum tempo depois, foi informada de que houve um assalto na agência e que suas joias foram roubadas. A Caixa aceitou indenizar a cliente em 1,5 vezes o valor da avaliação, com atualização monetária, descontando o saldo devedor do empréstimo.
Valor sentimental
No entanto, a consumidora não aceitou e entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais e materiais da Caixa sustentando que o valor total das avaliações efetuadas pela instituição não traduz o valor de mercado das joias e tampouco seu valor sentimental. Segundo a defesa, o valor estimado seria de R$ 135 mil.
A Justiça não atendeu ao pedido e considerou válida a cláusula contratual que limitava a indenização a 1,5 vezes o valor da avaliação. A cliente recorreu, e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a sentença.
No STJ, a cliente alegou que a Caixa teve responsabilidade objetiva por causa de falhas no sistema de segurança da agência. A responsabilidade objetiva é a atribuição de responsabilidade a uma pessoa sobre a prática de um ato sem que haja a análise de culpa.
Cláusula abusiva
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, considerou abusiva a cláusula do contrato que limitava a indenização, com base no artigo 51 da Lei 8.078/90, e reconheceu o direito da consumidora ao ressarcimento integral do valor das joias por causa da falha no serviço prestado pela instituição financeira.
Assim, o ministro condenou a Caixa a indenizar a consumidora em valor equivalente ao de mercado das joias empenhadas, descontado o que já havia sido pago pelo banco.
FONTE - STJ

Liberdade: STJ manda soltar moradores de rua presos por pegar telhas em prédio abandonado

DECISÃO

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a soltura imediata de dois moradores de rua que estão presos desde 8 de setembro, em Teresina, pela tentativa de furto de três telhas de amianto velhas e quebradas, retiradas de uma agência abandonada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“Somente a situação de abandono social dos acusados explica a falta de sensibilidade e a iniquidade de se manter presos dois moradores de rua que tentaram furtar telhas deterioradas, abandonadas e sem nenhum valor para o órgão federal”, afirmou o ministro em sua decisão.
Os moradores de rua foram presos em flagrante dentro do prédio deteriorado – sem portas, janelas ou qualquer proteção. Ao decretar a prisão preventiva, o juiz de primeiro grau disse que a medida era essencial para a garantia da instrução criminal e a manutenção da ordem pública, pois os réus não possuíam documentos nem ocupação lícita e já teriam passagens pela polícia. Um deles ainda seria usuário de crack.
A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com habeas corpus em favor dos dois no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), mas a liminar foi negada. Ao renovar o pedido de liberdade no STJ, a DPU esclareceu que apenas um dos réus responde a processo, ainda em tramitação.
Notória injustiça
Para o ministro Rogerio Schietti, a situação de “flagrante constrangimento ilegal” autoriza o exame de habeas corpus contra o indeferimento de liminar, o que, em regra, não é admitido pela jurisprudência. Além de observar “sinais robustos de atipicidade do fato” em razão do valor irrelevante das telhas, ele considerou a prisão preventiva dos moradores de rua uma “notória injustiça”, ainda mais porque “perdura por tempo odioso e irrazoável”.
“O fato de os acusados não possuírem documentos e serem moradores de rua, onde consomem drogas, não autoriza a conclusão de que possam oferecer risco concreto à aplicação da lei penal”, rebateu o ministro.
“O que transparece dos autos”, acrescentou, “é que os pacientes estão sendo mantidos presos pelo que são, e não por efetivo risco – não explicitado pelos juízos de origem – de lesão à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal”.
O Ministério Público Federal (MPF), em parecer sobre o caso, afirmou que as telhas – “retiradas de um prédio abandonado e, portanto, legado à deterioração pelo tempo e pelas intempéries” – já não tinham valor algum para o patrimônio da União, o que descaracteriza o crime. Com a liminar, os réus poderão aguardar em liberdade pelo menos até que a Sexta Turma do STJ julgue o mérito do habeas corpus, no qual a DPU pede o trancamento da ação penal. Ao dar a ordem, Schietti determinou também que seja providenciada a identificação dos moradores de rua, independentemente de sua libertação imediata.

Confira aqui a integra da decisão.


FONTE - STJ

STF - INFORMATIVO 810

Informativo STF

Brasília, 30 de novembro a 4 de dezembro de 2015 - Nº 810.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.


SUMÁRIO



Plenário
Repercussão Geral
Regime de cumprimento de pena e execução penal - 1
Regime de cumprimento de pena e execução penal - 2
Regime de cumprimento de pena e execução penal - 3
Porte de remessa e retorno e recolhimento pelo INSS
SUS e atendimento por diferença de classe
IR: aumento de alíquota e irretroatividade
1ª Turma
Parlamentar e imunidade
“Habeas corpus” e cabimento
2ª Turma
Decisão do STJ e reintegração de defensores não concursados
Abono variável e competência do STF - 1
Abono variável e competência do STF - 2
Ato do CNJ e controle de constitucionalidade - 1
Ato do CNJ e controle de constitucionalidade - 2
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
ADPF - Impugnação a decisões judiciais transitadas em julgado - Inadmissibilidade - Lei pós-constitucional - Inviabilidade. (ADPF 81-DF)
Inovações Legislativas


PLENÁRIO

REPERCUSSÃO GERAL
Regime de cumprimento de pena e execução penal - 1

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido em condenação penal. Na espécie, o acórdão recorrido fixara a prisão em regime domiciliar a condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em razão da não existência de estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atendesse todos os requisitos da LEP. O Ministro Gilmar Mendes (relator) deu parcial provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Edson Fachin. Determinou que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, se observasse: a) a saída antecipada do sentenciado no regime com falta de vagas; b) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; e c) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo após progressão ao regime aberto. Assentou, assim, o entendimento de que: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autorizaria a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderiam avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. Seriam aceitáveis estabelecimentos que não se qualificassem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”); c) havendo “déficit” de vagas, deveria ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que saísse antecipadamente ou fosse posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progredisse ao regime aberto. Até que fossem estruturadas as medidas alternativas propostas, poderia ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. Fixou, ainda, que o CNJ apresentasse: a) em 180 dias, contados da conclusão do julgamento: 1) projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; 2) relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas; e b) em um ano, relatório com projetos para: 1) expansão do Programa Começar de Novo e adoção de outras medidas buscando o incremento da oferta de estudo e de trabalho aos condenados; e 2) aumento do número de vagas nos regimes semiaberto e aberto.
RE 641320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2 e 3.12.2015. (RE-641320)



Audio 

Regime de cumprimento de pena e execução penal - 2

O relator destacou que o sistema progressivo de cumprimento de penas não estaria funcionando a contento. Haveria falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto, este último sendo desprezado por várias unidades da Federação. Assim, a lei prevê 3 degraus da progressão, mas o último grau simplesmente não existiria em mais da metade do País. Por outro lado, na prática, os modelos de estabelecimentos de cumprimento de pena, necessariamente adequados aos regimes semiaberto e aberto (CP, art. 33, §1º, “b” e “c”), teriam sido abandonados. Desse modo, os presos dos referidos regimes estariam sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos que os presos em regime fechado e provisórios. Contudo, a possibilidade de manutenção de condenado em regime mais gravoso, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado ao seu regime, seria uma questão ligada a duas garantias constitucionais em matéria penal da mais alta relevância: a individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e a legalidade (CF, art. 5º, XXXIX). O sistema brasileiro teria sido formatado tendo o regime de cumprimento da pena como ferramenta central da individualização da sanção, importante na fase de aplicação (fixação do regime inicial) e capital na fase de execução (progressão de regime). Assim, a inobservância do direito à progressão de regime, mediante manutenção do condenado em regime mais gravoso, ofenderia o direito à individualização da pena. A violação ao princípio da legalidade seria ainda mais evidente. Conforme art. 5º, XXXIX, da CF, as penas devem ser previamente cominadas em lei. A legislação brasileira prevê o sistema progressivo de cumprimento de penas. Logo, assistiria ao condenado o direito a ser inserido em um regime inicial compatível com o título condenatório e a progredir de regime de acordo com seus méritos. A manutenção do condenado em regime mais gravoso seria um excesso de execução, com violação a direitos dele. Em outra perspectiva, haveria que ser rechaçada qualquer possibilidade de ponderar os direitos dos condenados à individualização da pena e à execução da pena de acordo com a lei e com os interesses da sociedade na manutenção da segurança pública. Não se poderia negar o dever do Estado de proteger os bens jurídicos penalmente relevantes. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra agressões injustas estaria na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. Em suma, o Estado teria o dever de proteger os direitos fundamentais contra agressões injustas de terceiros, como corolário do direito à segurança (CF, art. 5º). No entanto, a execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justificaria com a observância de estrita legalidade. Regras claras e prévias seriam indispensáveis. Permitir que o Estado executasse a pena de forma deliberadamente excessiva seria negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (CF, art. 1º, III). Por mais grave que fosse o crime, a condenação não retiraria a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornariam simples objetos de direito (CF, art. 5º, XLIX).
RE 641320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2 e 3.12.2015. (RE-641320)



Audio 

Regime de cumprimento de pena e execução penal - 3

O relator asseverou que, atualmente, haveria duas alternativas de tratamento do sentenciado que progredisse de regime quando não houvesse vagas suficientes. Ou seria mantido no regime mais gravoso ao que teria direito (fechado), ou seria colocado em regime menos gravoso (prisão domiciliar). Contudo, já não bastaria apenas afirmar o direito ao regime previsto na lei ou ao regime domiciliar. Apesar de ser imprescindível cobrar dos poderes públicos soluções definitivas para a falta de vagas — pela melhoria da administração das vagas existentes ou pelo aumento do número de vagas —, não haveria, porém, solução imediata possível. Desse modo, seria necessário verificar o que fazer com os sentenciados se a situação de falta de vagas estiver configurada. A prisão domiciliar seria uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Todavia, não deveria ser descartada sua utilização, até que fossem estruturadas outras medidas, como as anteriormente mencionadas. Desse modo, seria preciso avançar em propostas de medidas que, muito embora não fossem tão gravosas como o encarceramento, não estivessem tão aquém do “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (CP, art. 59). As medidas em questão não pretenderiam esgotar as alternativas a serem adotadas pelos juízos de execuções penais no intuito de equacionar os problemas de falta de vagas nos regimes adequados ao cumprimento de pena. As peculiaridades de cada região e de cada estabelecimento prisional poderiam recomendar o desenvolvimento dessas medidas em novas direções. Assim, seria conveniente confiar às instâncias ordinárias margem para complementação e execução das medidas. O fundamental seria afastar o excesso da execução — manutenção do sentenciado em regime mais gravoso — e dar aos juízes das execuções penais a oportunidade de desenvolver soluções que minimizassem a insuficiência da execução, como se daria com o cumprimento da sentença em prisão domiciliar ou outra modalidade sem o rigor necessário. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.
RE 641320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2 e 3.12.2015. (RE-641320)

Porte de remessa e retorno e recolhimento pelo INSS

Aplica-se o § 1º do art. 511 do CPC (“§ 1º. São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal”) para dispensa de porte de remessa e retorno ao exonerar o seu respectivo recolhimento por parte do INSS. Esse o entendimento do Plenário, que, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de cobrança do porte de remessa e retorno dos autos de autarquia federal no âmbito da Justiça Estadual, tendo em conta a existência de norma local nesse sentido. O Colegiado assentou que a despesa com porte de remessa e retorno não se enquadra no conceito de taxa judiciária, uma vez que as custas dos serviços forenses se dividem em taxa judiciária e custas em sentido estrito. O porte de remessa e retorno é típica despesa de um serviço postal prestado por empresa pública monopolística e, assim, remunerado mediante tarifas ou preço público. Além disso, lembrou que o art. 511 do CPC dispensa o recolhimento dessa despesa processual por parte do INSS. Trata-se de diploma a editado pela União, a quem compete dispor sobre as receitas públicas oriundas da prestação do serviço público postal. Verificou, ainda, que a lei estadual em questão padeceria de inconstitucionalidade, da medida em define ser da competência do Conselho Superior da Magistratura, órgão de nível estadual, a competência para tratar das despesas com o porte de remessa e retorno. Assim, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “cujo valor será estabelecido por ato do Conselho Superior da Magistratura”, contida no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei 11.608/2003 do Estado de São Paulo. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso. Pontuava que a norma estadual que instituíra a referida cobrança teria amparo constitucional (“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: ... IV - custas dos serviços forenses”).
RE 594116/SP, rel. Min. Edson Fachin, 3.12.2015. (RE-594116)



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SUS e atendimento por diferença de classe

É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes. Essa a conclusão do Plenário, que desproveu recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de internação pelo SUS com a faculdade de melhoria do tipo de acomodação recebida pelo usuário mediante o pagamento de diferença entre os valores correspondentes. O Colegiado explicou que o SUS, conforme instituído pela Lei 8.080/1990, prevê dois eixos de ação: estabelece a prestação de serviços públicos de saúde e uma gama de atividades denominadas de ações de saúde, conforme o art. 200 da CF. É regido pelos princípios da: a) universalidade, como garantia de atenção à saúde por parte do sistema a todo e qualquer cidadão, por meio de serviços integrados por todos os entes da federação; b) equidade, a assegurar que serviços de todos os níveis sejam prestados, de acordo com a complexidade que o caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações similares; e c) integralidade, reconhecendo-se cada indivíduo como um todo indivisível e integrante de uma comunidade. Embora os serviços de saúde devam obedecer a esses princípios, estão limitados pelos elementos técnico-científicos, e pela capacidade econômica do Estado. Nesse contexto, possibilitar assistência diferenciada a pessoas numa mesma situação, dentro de um mesmo sistema, vulnera a isonomia e a dignidade humana. Admitir que um paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte a lógica do sistema e ignora suas premissas. Além disso, a Constituição não veda o atendimento personalizado de saúde, e admite o sistema privado. Os atendimentos realizados pela rede pública, todavia, não devem se submeter à lógica do lucro, por não ser essa a finalidade do sistema. Ainda que os supostos custos extras corressem por conta do interessado, a questão econômica ocupa papel secundário dentre os objetivos impostos ao ente estatal. A implementação de um sistema de saúde equânime é missão do Estado, que deve buscar a igualdade sempre que chamado a atuar. O Tribunal assinalou que a diferença de classes dentro do sistema também não leva a maior disponibilidade de vagas na enfermaria, porque há um limite de admissão de pessoas para cada estabelecimento, e todo paciente, mesmo em acomodações superiores, é contabilizado dentro do mesmo sistema público. Sublinhou precedentes do STF relacionados ao tema, em que garantido, em casos excepcionais, o tratamento diferenciado, a despeito da proibição de pagamento a título de complementação aos hospitais, por internação de pacientes em quartos particulares. Ocorre que os julgados dizem respeito a casos individuais, baseados na situação clínica de pacientes específicos, e grande parte deles se dera na fase de implementação do SUS. No presente caso, entretanto, se objetiva implementar a diferença de classe de modo amplo e irrestrito. Assim, embora se reconheça que o SUS ainda carece de recursos e de aprimoramento para se consagrar como um sistema que atenda às suas finalidades constitucionais e legais, deve haver esforços no sentido da promoção da igualdade de acesso, e não em sentido oposto, em clara ofensa à Constituição.
RE 581488/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 3.12.2015. (RE-581488)



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IR: aumento de alíquota e irretroatividade

É inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base, tendo em vista que o fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie. Com base nesse entendimento, o Plenário deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de aplicação de lei que majora alíquota do Imposto de Renda sobre fatos geradores ocorridos no mesmo ano de sua publicação, para pagamento do tributo com relação ao exercício seguinte. Declarou, assim, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, da Lei 7.988/1989. A majoração de alíquota de 6% para 18%, a qual se refletiria na base de cálculo do Imposto de Renda pessoa jurídica, incidente sobre o lucro das operações incentivadas no ano-base de 1989, ofenderia os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.
RE 592396/SP, rel. Min. Edson Fachin, 3.12.2015. (RE-592396)



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PRIMEIRA TURMA

Parlamentar e imunidade

A imunidade parlamentar é uma proteção adicional ao direito fundamental de todas as pessoas à liberdade de expressão, previsto no art. 5º, IV e IX, da Constituição. Assim, mesmo quando desbordem e se enquadrem em tipos penais, as palavras dos congressistas, desde que guardem alguma pertinência com suas funções parlamentares, estarão cobertas pela imunidade material do art. 53, “caput”, da Constituição (“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”). Com base nessa orientação, a Primeira Turma, em julgamento conjunto e por maioria, rejeitou a queixa-crime oferecida em face de senador a quem fora imputado a prática dos delitos de calúnia, injúria e difamação. Na espécie, parlamentar teria postado na rede social “facebook” que ex-Presidente da República teria cometido crimes e, ainda, teria impetrado “habeas corpus” preventivo relativo a atos de corrupção ocorrido no âmbito da Petrobrás. De início, a Turma assentou o caráter reprovável e lamentável com o qual as críticas à suposta condutas de um ex-Presidente da República teriam sido feitas. Na sequência, ressaltou que a imunidade material conferida aos parlamentares não seria uma prerrogativa absoluta. Restringir-se-ia a opiniões e palavras externadas, dentro ou fora do recinto do Congresso Nacional, mas no exercício do mandato ou em razão dele. Prevaleceria, portanto, a compreensão de que a imunidade parlamentar não se estenderia para opiniões ou palavras que pudessem malferir a honra de alguém quando essa manifestação estivesse dissociada do exercício do mandato. Para o Colegiado, a Constituição teria garantido uma tolerância com o uso — que normalmente fosse considerado abusivo — do direito de expressar livremente suas opiniões, quando proveniente de parlamentar no exercício de seus respectivos mandatos. Essa condescendência se justificaria para assegurar um bem maior — a própria democracia. Entre um parlamentar acuado pelo eventual receio de um processo criminal e um parlamentar livre para expor as suspeitas que pairassem sobre outros homens públicos, mesmo que de forma que pudesse ser considerada abusiva e, portanto, criminosa, o caminho trilhado pela Constituição seria o de conferir liberdade ao congressista. Assim, a regra da imunidade deveria prevalecer nas situações limítrofes em que não fosse delineada a conexão entre a atividade parlamentar e as ofensas irrogadas a pretexto de exercê-la, mas que, igualmente, não se pudesse, de plano, dizer que exorbitassem do exercício do mandato.
Inq 4088/DF, rel. Min. Edson Fachin, 1º.12.2015. (Inq-4088)
Inq 4097/DF, rel. Min. Edson Fachin, 1º.12.2015. (Inq-4097)

“Habeas corpus” e cabimento

O “habeas corpus”, cuja finalidade é a tutela da liberdade de locomoção, não é cabível para o reexame de pressupostos de admissibilidade de recursos. Com base nessa orientação, a Primeira Turma, por maioria, não conheceu da impetração. Na espécie, a paciente interpusera recurso especial cujo seguimento fora obstado por intempestividade. A petição fora apresentada por correspondência eletrônica, no prazo final para sua interposição e o original fora protocolizado no dia subsequente. A defesa manejara agravo em recurso especial, não conhecido ante a extemporaneidade. Na sequência, fora indeferido o “habeas corpus” impetrado perante o STJ para afastar o óbice à sequência do recurso especial. A Turma esclareceu que o “habeas corpus” seria substitutivo de recurso. Apontou não se depreender hipótese que justificasse a excepcionalidade da concessão da ordem de ofício ante o próprio não conhecimento do feito. Não haveria flagrante ilegalidade ou teratologia. Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que deferia a ordem para que o recurso especial tivesse seguimento. Reputava que o tribunal local teria decidido em descompasso com os princípios da confiança e da lealdade processual, ao olvidar a própria Portaria-Conjunta 73/2006. Essa norma admite a interposição por correio eletrônico com exigência de apresentação do documento original em até cinco dias da data do término do prazo. Ressaltava, ainda, que referida portaria fora elaborada em conformidade com o disposto na Resolução 287/2004 do STF. Precedente citado: HC 122.867/SP (DJe de 3.9.2014).
HC 114293/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 1º.12.2015. (HC-114293)



SEGUNDA TURMA

Decisão do STJ e reintegração de defensores não concursados

A Segunda Turma julgou procedente o pedido formulado em reclamação para cassar decisão do STJ, que reintegrava os interessados nos quadros da Defensoria Pública no Estado de Minas Gerais sem concurso público. Entendeu que a decisão reclamada contraria a autoridade da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 3.819/MG (DJe de 23.8.2008). Nessa ação direta, a Corte assentara a inconstitucionalidade, com efeitos prospectivos, de leis estaduais que admitiram, na função de defensor público, servidores que não ingressaram na carreira mediante concurso. A Turma consignou o expresso pronunciamento do Plenário, durante os debates sobre a modulação de efeitos, acerca da impossibilidade de permanência dos servidores beneficiados pelas normas declaradas inconstitucionais. O prazo conferido para que a decisão paradigma produzisse seus efeitos apenas tinha o propósito de permitir ao Estado de Minas Gerais a adoção das medidas necessárias para solucionar eventual risco à continuidade dos serviços prestados pela defensoria pública.
Rcl 16950/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.12.2015. (Rlc-16950)

Abono variável e competência do STF - 1

Compete ao STF para processar e julgar, originariamente, demanda ajuizada por magistrado estadual a respeito de pagamento de correção monetária sobre valores correspondentes a abono variável. Essa a conclusão da Segunda Turma que, por maioria, deu provimento a agravo regimental em recurso extraordinário em que debatida a definição da competência. Afirmou que o Plenário já se manifestara no sentido de ser o STF competente para processar e julgar as ações ajuizadas por magistrados federais referentes à correção monetária do abono variável prevista na Lei 10.474/2002. Assinalou que a ação de cobrança, no caso concreto, visaria ao pagamento da correção monetária incidente sobre o abono variável, vantagem instituída pela Lei 9.655/1998 correspondente à diferença entre a remuneração mensal de cada magistrado e o valor do subsídio que viesse a ser fixado na vigência da EC 19/1998. A Lei 9.655/1998, no entanto, não estabelecera o valor nominal dos subsídios devidos aos magistrados. Apenas escalonara os respectivos estipêndios com base no subsídio mensal dos Ministros do STF, que não teria sido fixado pela lei exigida nos termos do art. 48, XV, da CF. A aplicação do art. 6º da Lei Federal 9.655/98 dependeria, portanto, da edição da lei de fixação do subsídio dos Ministros do STF. Assim, com o fim de dar eficácia ao art. 6º da Lei Federal 9.655/1998, a Lei Federal 10.474/2002, ao tratar da remuneração da magistratura da União, determinara que até que fosse editada a lei prevista no art. 48, XV, da CF, o vencimento básico do Ministro do STF seria fixado em R$ 3.950,31. Embora as disposições acima se aplicassem apenas à magistratura da União, fora editada, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei fluminense 4.631/2005 que aplicara aos membros do Poder Judiciário estadual o disposto no art. 2º, “caput”, e § 1º, da Lei Federal 10.474/2002.
RE 608847 AgR/RJ, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 1º.12.2015. (RE-608847)

Abono variável e competência do STF - 2

A Turma frisou que, embora as disposições normativas aplicáveis à magistratura da União e do Estado do Rio de Janeiro não fossem absolutamente idênticas, em ambas as situações, apenas os membros do Poder Judiciário que tivessem recebido o abono variável no período de 1º.1.1998 a 28.6.2002 teriam interesse na causa, de modo que, quanto a esse ponto, não haveria distinção entre o presente caso e aqueles apreciados pelo Plenário. Portanto, a limitação temporal do interesse da magistratura na matéria ocorreria tanto no âmbito federal quanto no estadual, de modo que não se poderia afastar a aplicação do art. 102, I, “n”, da CF. Ademais, o fato de a controvérsia interessar apenas a magistrados estaduais também não seria suficiente para obstar a aplicação do entendimento firmado pelo Plenário em hipóteses relativas a magistrados federais. Isso porque, conquanto interpretação literal do art. 102, I, “n”, da CF permitisse concluir pela necessidade de envolvimento de todos os membros da magistratura de forma direta ou indireta para a aplicação da competência originária do STF, dever-se-ia ter em conta que essa disposição normativa constitucional não possuiria outro objetivo senão o de deslocar a competência para evitar-se, ainda que de forma geral, o julgamento da causa por interessados. Vencida a Ministra Cármen Lúcia (relatora) e vencido o Ministro Celso de Mello. Pontuou que a discussão sobre a incidência de correção monetária no sistema de pagamento do abono variável criado especificamente no Estado do Rio de Janeiro não se inseriria no rol de matérias aptas a atrair a competência originária do STF, prevista no art. 102, I, “n”, da CF, cuja interpretação deveria ser restritiva. Não haveria, na espécie vertente, interesse direto ou indireto de toda a magistratura estadual autorizador do deslocamento da competência para o STF.
RE 608847 AgR/RJ, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 1º.12.2015. (RE-608847)

Ato do CNJ e controle de constitucionalidade - 1

A Segunda Turma retomou julgamento de agravo regimental ajuizado contra liminar deferida em mandado de segurança impetrado contra decisão monocrática de conselheira do CNJ que, em procedimento de controle administrativo, determinara a tribunal de justiça estadual que elaborasse nova lista de antiguidade de membros da magistratura, com exclusão de critério não previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman. No caso, a conselheira afastara como critério de desempate o tempo de serviço público fixado em lei complementar estadual para considerar-se apenas o tempo na magistratura e, mantido o empate, a classificação no concurso, respeitada a ordem de investidura da magistratura estadual. Na sessão de 30.6.2015, o Ministro Teori Zavascki (relator) desproveu o agravo regimental e manteve a liminar que suspendera os efeitos do ato do CNJ até o julgamento de mérito do mandado de segurança. Afirmou que a alteração do critério adotado há muito tempo pelo tribunal, por decisão monocrática da conselheira relatora, sem a participação direta dos atingidos, evidenciaria a plausibilidade do argumento de afronta ao direito à ampla defesa, tese que teria respaldo da orientação firmada pelo Plenário do STF no julgamento do MS 27.154/DF (DJe de 8.2.2011). Na sessão de 25.8.2015, o Ministro Dias Toffoli, em voto-vista, deu provimento ao agravo regimental para indeferir a liminar. Frisou que o vício de procedimento considerado pelo relator deveria ser superado tendo em conta que o ato impugnado estaria em consonância com o entendimento pacífico do STF, no sentido da impossibilidade de se adotar o tempo de serviço público como critério de desempate entre magistrados. Dessa forma, deveria ser mantida a decisão atacada, sob pena de postergar-se a aplicação da orientação adequada para a solução da matéria.
MS 33586 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 1º.12.2015. (MS-33586)

Ato do CNJ e controle de constitucionalidade - 2

Nessa assentada, a Ministra Cármen Lúcia salientou que o Regimento Interno do CNJ conferiria ao relator a atribuição de deferir, monocraticamente, pedido em estrita obediência a enunciado administrativo ou a entendimento firmado pelo CNJ ou pelo STF. Sublinhou que, apesar de a decisão impugnada harmonizar-se com a orientação do STF, a lei estadual não teria sido declarada inconstitucional. Além disso, a incidência da teoria dos motivos determinantes teria sido rejeitada pelo STF. Assim, a aplicação da norma regimental exigiria a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo STF. Realçou que a inconstitucionalidade do dispositivo da lei estadual teria sido assentada por decisão singular de membro de órgão administrativo ao qual a jurisprudência do STF não reconheceria a competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis (AC 2.390 MC/PB, DJe de 2.5.2011). A Ministra Cármen Lúcia não vislumbrou, contudo, relevância jurídica suficiente para deferir a liminar pleiteada, pois, no julgamento de mérito do mandado de segurança, o STF poderia, prestigiando a jurisprudência, declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da norma legal, A adoção desse procedimento imporia a denegação da ordem, a despeito dos vícios observados no ato impugnado. A anulação do ato do CNJ, nessas circunstâncias excepcionais, serviria apenas para postergar a aplicação do entendimento consolidado pelo STF, do qual não poderia o CNJ dissentir. Em seguida, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes.
MS 33586 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 1º.12.2015. . (MS-33586)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno2.12.20153.12.2015216
1ª Turma1º.12.2015135
2ª Turma1º.12.2015105



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 30 de novembro a 4 de dezembro de 2015

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 901.623-SP
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. ART. 19 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. PORTE DE ARMA BRANCA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL. ANÁLISE SOBRE A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DA CONDUTA DESCRITA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
Questão relevante do ponto de vista social e jurídico.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 806.339-SE
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
LIBERDADE DE REUNIÃO – AUTORIDADE COMPETENTE – PRÉVIO AVISO – ARTIGO 5º, INCISO XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia alusiva ao alcance da exigência de prévio aviso à autoridade competente como pressuposto para o exercício do direito versado no artigo 5º, inciso XVI, da Carta de 1988.

Decisões Publicadas: 2



C L I P P I N G  D O  D J E

30 de novembro a 4 de dezembro de 2015

AG. REG. NO ARE N. 825.531-CE
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Constitucional e administrativo. Servidor público. Pretensão de manutenção de vantagem remuneratória adquirida no exercício de cargo de carreira diversa. Impossibilidade. Precedentes.
1. A pretensão do ora agravado era a manutenção de vantagem remuneratória  adquirida no exercício de cargo público no Judiciário estadual e a transposição dessa vantagem funcional para o cargo atualmente exercido na Justiça Federal.
2. O Supremo Tribunal Federal no julgamento de mérito do recurso extraordinário nº 587.371/DF-RG, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 24/6/14, cuja repercussão geral havia sido reconhecida, assentou a impossibilidade de  as vantagens remuneratórias  adquiridas no exercício de determinado cargo público serem transportadas para outro cargo pertencente a carreira e regime jurídico distintos para o qual o agente público venha a ser nomeado posteriormente.
3. No referido julgamento, consignou o relator que “as vantagens remuneratórias adquiridas no exercício de determinado cargo público não autoriza o seu titular, quando extinta a correspondente relação funcional, a transportá-las para o âmbito de outro cargo, pertencente a carreira e regime jurídico distintos, criando, assim, um direito de tertium genus, composto das vantagens de dois regimes diferentes”.
4. Agravo regimental provido para que se conheça do agravo e se dê provimento ao recurso extraordinário interposto pela União, julgando-se, por conseguinte, improcedente a ação proposta pelo ora agravado, com a ressalva de preservação dos valores eventualmente já recebidos, em respeito ao princípio da boa-fé.

RMS N. 32.202-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
DEVIDO PROCESSO LEGAL – DEFESA – VIABILIZAÇÃO. Uma vez viabilizada a defesa, descabe agasalhar alegação de ofensa ao devido processo legal.
DEMISSÃO – FUNDAMENTOS. Surgindo fundamentado o ato de demissão, fica afastado o vício de forma.
SANÇÃO ADMINISTRATIVA – ATO DA COMISSÃO PROCESSANTE – INDEPENDÊNCIA. A autoridade julgadora não está vinculada à conclusão da comissão processante.
PRESCRIÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – LEGISLAÇÃO PENAL. A influência da legislação penal faz-se consideradas balizas a englobarem a pena máxima prevista para o delito.
PROCESSO ADMINISTRATIVO – PROCESSO-CRIME – REPERCUSSÃO. A teor do disposto no artigo 935 do Código Civil, a repercussão do que decidido no processo-crime pressupõe pronunciamento, precluso na via da recorribilidade, afastando o fato ou a autoria.

RHC N. 116.463-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO EM HABEAS CORPUS – PREJUÍZO. Fica prejudicado o recurso em habeas corpus dirigido ao afastamento de custódia preventiva ante a absolvição do acusado, com expedição de alvará de soltura.

AG. REG. NO ARE N. 793.712-SP
RELATOR: MIN. EDSON FACHIN
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MATÉRIA CRIMINAL. INTEMPESTIVIDADE DO PRIMEIRO AGRAVO. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DA LEI 12.322/2010. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 699 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SEGUNDO AGRAVO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL NO TRIBUNAL DE ORIGEM. INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO PREVISTO NO ART. 544 DO CPC. NÃO CABIMENTO.
1. É intempestivo o agravo, em matéria criminal, que não observa o prazo de interposição de 05 (cinco) dias estabelecido no art. 28 da Lei 8.038/1990.
2. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada no ARE 639.846-AgR, manteve o enunciado da Súmula 699 do STF, ao relevar que não se aplica, na espécie, a alteração trazida pela Lei 12.322/2010 ao art. 544, caput, do Código de Processo Civil.
3. Não cabe a esta Corte rever a aplicação da sistemática da repercussão geral no Juízo de origem, nos termos do que assentado no julgamento da Questão de Ordem no AI 760.358, Rel. Min. Gilmar Mendes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.

Acórdãos Publicados: 230



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

ADPF - Impugnação a decisões judiciais transitadas em julgado - Inadmissibilidade - Lei pós-constitucional - Inviabilidade (Transcrições)

(v. Informativo 810)

ADPF 81-MC/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: ADPF. CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. LEGITIMIDADE ATIVA DA ENTIDADE DE CLASSE ARGUENTE. PRECEDENTE. FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE: PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JURÍDICA RELEVANTE. PRESSUPOSTO NECESSÁRIO E ESSENCIAL AO VÁLIDO AJUIZAMENTO DA ADPF. INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE QUALQUER ESTADO DE INCERTEZA OU DE INSEGURANÇA NO PLANO JURÍDICO, NOTADAMENTE PORQUE JÁ DIRIMIDO O DISSENSO INTERPRETATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES ESPECÍFICOS SOBRE O LITÍGIO EM QUESTÃO. SUPERVENIÊNCIA, ADEMAIS, DE LEGISLAÇÃO MODIFICADORA, EM PONTO RELEVANTE, DO ESTATUTO BÁSICO DISCIPLINADOR DA MATÉRIA. IMPUGNAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS PÓS-CONSTITUCIONAIS. POSTULADO DA SUBSIDIARIEDADE. CABIMENTO, NO CASO, DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. CONSEQUENTE INVIABILIDADE DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO. PRECEDENTES. EXISTÊNCIA, NO ORDENAMENTO POSITIVO, DE INSTRUMENTO PROCESSUAL APTO A SANAR, DE MODO EFICAZ, A SITUAÇÃO DE LESIVIDADE ALEGADAMENTE RESULTANTE DOS ATOS ESTATAIS IMPUGNADOS (LEI Nº 9.868/99, ART. 21). POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO, MEDIANTE ADPF, DE DECISÕES JUDICIAIS, DESDE QUE NÃO TRANSITADAS EM JULGADO. CONSEQUENTE OPONIBILIDADE DA COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL À ADPF. PRECEDENTES. O SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA “RES JUDICATA”. RELAÇÕES ENTRE A COISA JULGADA MATERIAL E A CONSTITUIÇÃO. RESPEITO PELA AUTORIDADE DA COISA JULGADA MATERIAL, MESMO QUANDO A DECISÃO TENHA SIDO PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF: AÇÃO CONSTITUCIONAL QUE NÃO DISPÕE DE FUNÇÃO RESCISÓRIA. INTERPRETAÇÕES FUNDADAS, NO CASO, EM DECISÕES JUDICIAIS QUE, EXPRESSAMENTE INVOCADAS PELA ARGUENTE, JÁ TRANSITARAM EM JULGADO. INADMISSIBILIDADE, EM TAL SITUAÇÃO, DA ADPF. A AUTORIDADE DA COISA JULGADA MATERIAL COMO OBSTÁCULO INSUPERÁVEL AO AJUIZAMENTO DA ADPF. DOUTRINA. PRECEDENTES. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NÃO CONHECIDA.

DECISÃO: Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI, que pretende que o Supremo Tribunal Federal “declare, com eficácia ‘erga omnes’ e efeito vinculante, ser competência privativa da União, pelos órgãos delegados, obedecidos os critérios de conveniência e oportunidade, inerentes à Administração, a outorga de autorização, concessão ou permissão de exploração de transporte interestadual e internacional de passageiros, sempre mediante licitação, prestando-se homenagem, assim, ao disposto nos arts. 2º, 5º, ‘caput’ e inciso XXXVI, 21, XII, e, 37, ‘caput’ e inciso XXI, e 175, da Constituição” (fls. 35 – grifei).
A ora arguente, ao deduzir referida postulação, destacou, com especial ênfase, a existência de decisões judiciais que têm reconhecido “(...) a particulares o direito de explorar serviço público de transporte interestadual e internacional de passageiros, sujeito ao regime de autorização, concessão ou permissão, sem a observância do procedimento licitatório” (fls. 33 – grifei).
A ABRATI sustenta, bem por isso, que tais decisões judiciais, inclusive provimentos jurisdicionais de natureza meramente cautelar, qualificam-se como atos estatais transgressores dos preceitos inscritos nos arts. 2º, 5º, “caput” e inciso XXXVI, 21, inciso XXII, alínea “e”, 37, “caput” e inciso XXI, e 175, todos da Constituição da República, assinalando, em razão dessa conduta do Poder Judiciário, que se impõe proclamar a “(...) impossibilidade de outorga de concessão, autorização e/ou permissão de exploração de serviços de transporte de passageiros interestadual e internacional a empresas particulares por outro que não pelo Poder concedente” (fls. 03) e, sempre, mediante prévia instauração do concernente procedimento licitatório.
Eis, no ponto, os aspectos essenciais realçados na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental (fls. 03/05):

“O transporte rodoviário de passageiros no Brasil é parte integrante do chamado ‘Sistema Nacional de Viação’, descrito no art. 2º da Lei nº 10.233/01 (e alterações introduzidas pela MP nº 2.217-3/01), que se constitui numa infraestrutura viária e estrutura operacional dos diferentes meios de transporte de pessoas e bens, sob jurisdição da União, regido pelos princípios e diretrizes traçados na Constituição Federal, arts. 21, XII, ‘e’ (regulamentado pelo Decreto nº 2.521/98 e disposições da Lei nº 8.987/99), 37, XXI, e 175.
2 – Trata-se de um serviço de utilidade pública e, conforme previsão constitucional, vista acima, é provido pelo exercício do poder discricionário da União, obedecidos os critérios de conveniência e oportunidade, sempre mediante licitação, devendo contemplar as necessidades básicas do cidadão, tanto para o exercício da atividade laboral como para a satisfação das necessidades sociais, assistenciais, culturais e de lazer, o que o torna, portanto, um fator importante de inclusão social, desenvolvimento econômico e integração nacional.
3 – Nesse passo, o particular ao pretender explorar tais serviços deverá reportar-se à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, que, por determinação legal (Lei nº 10.233, de 5.6.01), é o órgão responsável pelo estabelecimento do plano de concessão, pela realização de licitações, pelo incentivo à competição, pela definição da tarifa, pelo controle de serviços, pela defesa dos direitos dos usuários e pela arbitragem de conflitos.
4 – E assim deve ser, pois somente a Administração (Poder concedente) dispõe de meios hábeis para promover estudos de viabilidade técnica e econômica, podendo, assim, regulamentar, controlar e fiscalizar, de forma centralizada e efetiva, a prestação desses serviços.
5 – Não obstante esses fatos, várias empresas (clandestinas) do setor, que sequer ostentam legitimidade para ser tuteladas judicialmente, por não possuírem autorização hábil a legalizar suas atividades de exploradora de serviços públicos, vêm obtendo, no Poder Judiciário, a outorga de concessões e permissões de exploração de tais serviços, o que invariavelmente acarreta enormes prejuízos àquelas já regularmente delegadas, além de violar, de uma só vez, os preceitos fundamentais insculpidos nos arts. 2º, 5º, ‘caput’ e inciso XXXVI, 21, inciso XII, alínea ‘e’, 37, ‘caput’ e inciso XXI, e 175, todos da Constituição.
6 – Tais linhas rodoviárias são ‘concedidas’, em todos os casos, sem que seja levada em conta sua viabilidade econômico-financeira e em completa inobservância a critérios técnicos, causando um enorme estado de insegurança jurídica no setor, além de prejudicar sobremaneira o regular desenvolvimento dos serviços prestados por aquelas empresas que possuem contrato com o Poder Público (concessionárias ou permissionárias).
7 – Sob esse prisma, além do prejuízo jurídico, perpetrado, antes de tudo, pela inobservância aos princípios da segurança jurídica, da separação dos Poderes e da isonomia, com grave repercussão e lesão à ordem e à economia públicas e à ordem jurídica, pela inobservância, também, ao disposto na Lei nº 8.987/95 e no Decreto nº 2.521/98, verifica-se, ainda, o prejuízo econômico das empresas legalmente delegadas.” (grifei)

O eminente Advogado-Geral da União manifestou-se, em caráter preliminar, pelo não conhecimento da presente arguição e, quanto ao mérito, pela procedência do pedido formulado (fls. 598/613).
O Ministério Público Federal, por sua vez, em pronunciamento da lavra do eminente Procurador-Geral da República, Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, opinou, com ressalva, pelo parcial acolhimento da pretensão cautelar (fls. 641/663).
Sendo esse o contexto, passo a apreciar, inicialmente, a admissibilidade da presente ação constitucional. E, ao fazê-lo, assinalo que a arguição de descumprimento de preceito fundamental, instituída pela própria Constituição (art. 102, § 1º) e disciplinada pela Lei nº 9.882/99, qualifica-se como típica ação constitucional destinada a proteger e a preservar a integridade de preceitos fundamentais revestidos, em decorrência de sua natureza mesma, de um claro sentido de essencialidade, configurando “modalidade de integração entre os modelos de perfil difuso e concentrado no Supremo Tribunal Federal” (ADPF 33/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES).
No sistema constitucional brasileiro, há, como sabemos, duas modalidades de arguição de descumprimento: uma de caráter autônomo (Lei nº 9.882/99, art. 1º, “caput”) e outra de natureza incidental (‘lex cit.’, art. 1º, parágrafo único), como esclareceu esta Suprema Corte em precedente sobre a matéria (ADPF 3-QO/CE, Rel. Min. SYDNEY SANCHES).
Impõe-se destacar, de outro lado, que a arguição de descumprimento de preceito fundamental pode ter por objeto de impugnação tanto ato estatal impregnado de conteúdo normativo quanto ato do Poder Público despojado de qualquer atributo de normatividade, valendo relembrar, no que se refere a esse específico ponto, valioso precedente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal:

“Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Lei nº 9882, de 3.12.1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da referida medida constitucional. 2. Compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental. (…) 4. Argüição de descumprimento de preceito fundamental como instrumento de defesa da Constituição, em controle concentrado. (…). 6. O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental há de ser ‘ato do Poder Público’ federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não (…).”
(ADPF 1-QO/RJ, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – grifei)

Reconheço, de outro lado, como salientei em anterior decisão nesta causa (fls. 364/366), a legitimidade ativa “ad causam” da entidade de classe ora arguente, considerado o que estabelece o art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/99, c/c o art. 103, inciso IX, da Constituição Federal.
Com efeito, esta Suprema Corte já reconheceu que a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI dispõe de qualidade para agir em sede jurisdicional concentrada (RTJ 207/583).
Cabe registrar, ainda, que a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI satisfaz, plenamente, a exigência jurisprudencial concernente à pertinência temática, consideradas, de um lado, as finalidades institucionais dessa entidade de classe de âmbito nacional e, de outro, o próprio objeto da postulação ora deduzida nesta sede processual.
É importante rememorar, neste ponto, que o requisito da pertinência temática – que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material do ato questionado em sede de controle abstrato – foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa “ad causam” para efeito de instauração, entre outros processos de fiscalização concentrada, daquele concernente à arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Impende verificar, a seguir, se se revela admissível a arguição de descumprimento de preceito fundamental nos casos em que se impugnam decisões judiciais reputadas lesivas em razão de interpretação nelas veiculada e que transgrediriam – segundo sustenta a arguente – preceitos fundamentais consagrados no texto da Constituição da República.
Tenho assinalado, na linha de orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte (ADPF 33/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES – ADPF 47/PA, Rel. Min. EROS GRAU – ADPF 101/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 249-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que se mostra processualmente viável a impugnação, em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, de interpretações judiciais alegadamente violadoras de preceitos fundamentais, cuja suposta transgressão decorreria de decisões emanadas de órgãos diversos do Poder Judiciário, desde que tais decisões judiciais ainda não tenham transitado em julgado (ADPF 249-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), considerado o que dispõe o art. 5º, § 3º, “in fine”, da Lei nº 9.882/99:

“Não podem ser alcançados pela eficácia suspensiva de liminar concedida em ação de descumprimento de preceito fundamental os efeitos de sentenças transitadas em julgado ou convalidados por lei superveniente.”
(ADPF 79-AgR/PE, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

Essa compreensão da matéria – que sustenta a viabilidade da utilização da arguição de descumprimento contra interpretação judicial de que possa resultar lesão a preceito fundamental (excluídas, no entanto, as decisões impregnadas da autoridade da coisa julgada material) – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 2.280, item n. 5.1, 8ª ed., 2011, Atlas; FABIO CESAR DOS SANTOS OLIVEIRA, “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental”, p. 144/145, item n. IV.2, 2004, Lumen Juris; GABRIEL DIAS MARQUES DA CRUZ, “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – Lineamentos Básicos e Revisão Crítica no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 99, item n. 5.7.1, 2011, Malheiros; SYLVIO MOTTA e GUSTAVO BARCHET, “Curso de Direito Constitucional”, p. 885, item n. 10, 2007, Elsevier, v.g.), valendo destacar, por relevante, a lição expendida pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (“Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999”, p. 72, item n. 6, 2007, Saraiva):

“Pode ocorrer lesão a preceito fundamental fundada em simples interpretação judicial do texto constitucional.
Nesses casos, a controvérsia não tem por base a legitimidade ou não de uma lei ou de um ato normativo, mas se assenta simplesmente na legitimidade ou não de uma dada interpretação constitucional. No âmbito do recurso extraordinário essa situação apresenta-se como um caso de decisão judicial que contraria diretamente a Constituição (art. 102, III, ‘a’).
Não parece haver dúvida de que, diante dos termos amplos do art. 1º da Lei n. 9.882/99, essa hipótese poderá ser objeto de argüição de descumprimento – lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público –, até porque se cuida de uma situação trivial no âmbito de controle de constitucionalidade difuso.
Assim, o ato judicial de interpretação direta de um preceito fundamental poderá conter uma violação da norma constitucional. Nessa hipótese, caberá a propositura da argüição de descumprimento para afastar a lesão a preceito fundamental resultante desse ato judicial do Poder Público, nos termos do art. 1º da Lei n. 9.882/99.” (grifei)

Assentadas tais premissas, e reconhecidas, no caso, a legitimidade ativa da autora, a existência de pertinência temática e a possibilidade processual de impugnação, em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, de interpretação fundada em decisões judiciais ainda não transitadas em julgado, cabe examinar, agora, a idoneidade jurídica da presente ação constitucional, tendo em vista a pretensão formulada pela arguente (ABRATI).
Verifico, a partir da leitura da petição inicial, dos documentos que a instruem e dos demais elementos de informação produzidos nos autos – e após exame mais aprofundado, diverso daquele realizado mediante “non plena cognitio” (fls. 364/366) –, que este processo de controle concentrado foi instaurado com o iniludível objetivo de promover, em sede de fiscalização abstrata, a defesa de interesses individuais e concretos das empresas de transporte coletivo terrestre de passageiros “que possuem contrato com o Poder Público (concessionárias ou permissionárias)” (fls. 05 – grifei), como se depreende do seguinte fragmento constante da peça processual mencionada (fls. 06):

“10 – O sistema rodoviário brasileiro conta, hoje, aproximadamente 1783 (mil setecentos e oitenta e três) linhas regularmente delegadas, que geram um faturamento para o setor de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano. Todavia, de acordo com dados fornecidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres-ANTT (doc. anexo), há ainda, no Brasil, quase 200 (duzentas) linhas de transporte rodoviário interestadual e/ou internacional de passageiros em operação por determinação judicial, o que representa um prejuízo para o setor regularmente delegado de aproximadamente R$ 310.000.000,00 (trezentos e dez milhões de reais) por ano.
11 – Essa prática de colusão e de captura regulatória desmoraliza a autoridade pública, desestrutura os órgãos gestores e abre porta para a ilegalidade, pois impede o exercício do poder de polícia do Estado, ficando inviável para a Administração exercer adequadamente sua competência de forma centralizada e com uniformidade de critérios, impedindo, também, o regular desenvolvimento das atividades das empresas concessionárias e permissionárias.
….............................................................................................................
13 – Não obstante o mandamento constitucional da realização de licitações, o que se observa, por um lado, é a continuidade da prática de prorrogação de autorizações por decisões judiciais, sem nenhuma justificativa técnica ou econômica, desestimulando a eficiência e os investimentos pelo setor regularmente delegado, desmoralizando-o e fragilizando-o.” (grifei)

Esses elementos tornam inquestionável o intuito da autora de, ao agir em sede de fiscalização concentrada, buscar, na realidade, amparo jurisdicional para a preservação de direitos e interesses concretos das empresas de transporte coletivo terrestre de passageiros que, vinculadas à ABRATI, estariam sendo afetadas, em suas respectivas situações individuais, pela interpretação veiculada nas decisões judiciais referidas.
Veja-se, pois, que o contexto ora exposto põe em evidência a configuração concreta de interesses individuais das sociedades empresárias em questão, o que basta, por si só, para inviabilizar a utilização, na espécie, da arguição de descumprimento de preceito fundamental, considerada a natureza essencialmente abstrata da controvérsia nela suscitada.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade – em cujo âmbito não se discutem situações individuais, nem se examinam interesses concretos – qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, destinado a viabilizar “o julgamento não de uma relação jurídica concreta, mas de validade de lei em tese (…)” (RTJ 95/999, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei), ou, como sucede na espécie, a propiciar decisão “in abstracto” da compatibilidade de uma dada interpretação judicial com o texto da Constituição da República.
A importância de qualificar-se o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo – vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da “harmonia do sistema constitucional, ferida pela manutenção de lei [ou de interpretação judicial] produzida em desrespeito à Constituição” (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 327, 11ª ed., 1989, Saraiva) –, além de refletir entendimento exposto em autorizado magistério (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 141/145, item n. 3.2.2, 2ª ed., 2000, RT; NAGIB SLAIBI FILHO, “Ação Declaratória de Constitucionalidade”, p. 106, 2ª ed., 1995, Forense; GILMAR FERREIRA MENDES, “Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos”, p. 250, 1990, Saraiva), encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção “in abstracto” da ordem constitucional (RTJ 113/22, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 131/1001, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 136/467, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), repelindo, por isso mesmo, qualquer pretensão que vise a resguardar interesses individuais supostamente lesados em face de situações concretas.
Isso significa, portanto, tal como ressaltado, que, em face da natureza objetiva de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas (RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.254-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), notadamente quando o ajuizamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental é motivado, em caráter preponderante, por determinadas situações concretas claramente identificáveis:

“INADEQUAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS E CONCRETOS – CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DIRETA.
– O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade.
– A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º). Doutrina. Precedentes.”
(ADI 2.423-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado exclusivamente à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. O exame de relações jurídicas concretas e de situações individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Precedentes.”
(ADPF 363-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale referir, bem por isso, ante a pertinência de seu conteúdo, fragmento do parecer que o eminente Procurador-Geral da República produziu no âmbito da ADPF 318/DF, de que fui Relator:

“A amplitude da arguição de descumprimento para impugnar atos do Poder Público, todavia, não deve ser tomada a ponto de transmudar a vocação constitucional dessa via processual, de ação de contornos marcadamente objetivos para sucedâneo de recursos próprios, como forma de atalhar as vias processuais ordinárias a fim de submeter a lide à apreciação direta do Supremo Tribunal Federal.
…..................................................................................................
Não se deve admitir manejo de ADPF para tutela judicial de caso singular, a fim de obter solução para situação concreta, sob pena de banalizar e inviabilizar a jurisdição constitucional concentrada que a Constituição da República atribui ao Supremo Tribunal Federal. Com a admissibilidade desmedida da arguição e de outros instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, adviria enorme risco para a Corte e para a própria sociedade brasileira, decorrente de invencível incapacidade operacional do Supremo Tribunal Federal de fazer face ao volume de demandas que lhe seriam submetidas. É própria das cortes constitucionais a imposição de requisitos relativamente rigorosos para eleição das causas que lhes são ofertadas pelos interessados, a fim de permitir que elas emprestem aos litígios admitidos a atenção e o tempo necessários, inerentes às graves e complexas demandas a seu cargo.” (grifei)

Mesmo que fosse possível superar esse obstáculo processual, ainda assim subsistiria outro fundamento autorizador do juízo negativo de admissibilidade da presente ação constitucional.
Como se sabe, a admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental supõe, entre outros requisitos, aquele referente à existência de controvérsia constitucional relevante.
Com efeito, um dos pressupostos inerentes à arguição de descumprimento de preceito fundamental consiste na comprovação da existência “de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado”, como prescreve o art. 3º, n. V, da Lei nº 9.882/99
É que a arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando impugnar atos estatais, como os provenientes do Poder Judiciário, somente poderá ser utilizada se se demonstrar que há relevante controvérsia constitucional sobre determinado tema, o que, no entanto, não ocorre no caso ora em exame.
A análise da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Regionais Federais de todas as Regiões evidencia, de maneira muito clara, que já não existe qualquer estado de incerteza ou de insegurança no plano jurídico a respeito da pretensão deduzida pela ora arguente, não mais havendo, por isso mesmo, qualquer situação de indefinição em torno do “thema decidendum”, tal como proposto pela ABRATI.
O Supremo Tribunal Federal, defrontando-se com litígio jurídico idêntico ao versado nestes autos, firmou entendimento que fez cessar qualquer controvérsia constitucional na matéria em causa, como resulta inequívoco de inúmeros precedentes emanados de seu Plenário, de ambas as suas Turmas e de seus Juízes (AI 594.615/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 836.059-AgR/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ARE 885.427/PR, Rel. Min. LUIZ FUX – ARE 902.634/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 140.989/RJ, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RE 264.621/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 267.383/CE, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 412.977-AgR/PR, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 412.978/PR, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 435.837/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 496.150/PR, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 501.387-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 517.431/ES, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 549.330/PR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 586.934/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 597.536/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 607.126-AgR/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 617.204/RS, Rel. Min. ROSA WEBER – RE 628.337-AgR/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 640.723/SC, Rel. Min. LUIZ FUX – RE 748.085/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 759.648/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.):

“Demonstração dos requisitos objetivos para o deferimento de suspensão da execução de acórdão: lesão à ordem pública, tendo em vista o contido nos arts. 21, XII, ‘e’, e 175 da Constituição da República. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade da prestação de serviços de transporte interestadual de passageiros a título precário, sem a observância do procedimento licitatório. Lesão à ordem administrativa: afastamento da Administração do legítimo juízo discricionário de conveniência e oportunidade na fixação de trecho a ser explorado diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, do serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros.
…...................................................................................................
4. Agravo regimental improvido.”
(STA 73-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Pleno – grifei)

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Transporte coletivo interestadual de passageiros. Concessão ou permissão. Necessidade de prévia licitação. Precedentes.
1. A jurisprudência da Suprema Corte pacificou o entendimento de que é imprescindível prévia licitação para a concessão ou permissão da exploração de serviços de transporte coletivo de passageiros.
2. Agravo regimental não provido.”
(RE 626.844-AgR/RS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma – grifei)

“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Transporte interestadual de passageiros. Concessão e permissão. Prorrogação. 3. Controle de legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Possibilidade. Não configuração de ofensa ao Princípio da Separação de Poderes. 4. Necessidade de licitação prévia. Norma cogente. Artigo 175 da Constituição. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(ARE 805.715-AgR/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma – grifei)

Inocorre, desse modo, o requisito essencial e necessário ao válido ajuizamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, consistente – segundo exigência imposta pelo art. 3º, inciso V, da Lei nº 9.882/99 – na comprovada “existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado”.
Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração (ou o prosseguimento) do processo de fiscalização normativa “in abstracto”, sob pena de converter-se a arguição de descumprimento de preceito fundamental em um inadmissível instrumento de consulta sobre determinada interpretação constitucional – já pacificada, de resto, no tema ora em exame, na esfera do Poder Judiciário –, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida, em referido processo, pelo Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, e para efeito de configuração do interesse objetivo de agir do autor da arguição de descumprimento de preceito fundamental, torna-se indispensável que exista (e continue a existir) controvérsia apta a afetar a presunção “juris tantum” de constitucionalidade ínsita a qualquer ato emanado do Poder Público (RTJ 157/371, 385).
Vale reproduzir, a propósito do tema ora em exame e no sentido ora exposto, expressivo fragmento de obra doutrinária (GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Curso de Direito Constitucional”, p. 1.279/1.281, item n. 2.3, 7ª ed., 2012, Saraiva):

“Tal como a Lei n. 9.868/99, na parte que disciplinou os pressupostos da ação declaratória de constitucionalidade (arts. 13 a 20), a Lei n. 9.882/99 pressupõe, basicamente, a existência de controvérsia judicial ou jurídica relativa à constitucionalidade da lei ou à legitimidade do ato para a instauração da arguição de inconstitucionalidade. Portanto, também na arguição de descumprimento de preceito fundamental há de se cogitar de uma legitimação para agir ‘in concreto’, tal como consagrada no Direito alemão, que se relaciona com a existência de um estado de incerteza, gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei. É necessário que se configure, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade ou de legitimidade do ato questionado.” (grifei)

O que não se mostra viável é dar prosseguimento a uma arguição de descumprimento de preceito fundamental em situação na qual já não mais subsiste a exegese impugnada, pois, como anteriormente assinalado, cessou a controvérsia jurídica em torno do tema veiculado nesta ação constitucional, tendo em vista a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais Regionais Federais (AC 00029347020084036000, Rel. Juiz NERY JUNIOR, TRF/3ª – AC 00159002320124013400, Rel. Juiz NÉVITON GUEDES, TRF/1ª – AC 00190416020064013400, Rel. Juiz JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF/1ª – AC 00699079120144013400, Rel. Juiz KASSIO NUNES MARQUES, TRF/1ª – AC 199351010561885, Rel. Juiz FREDERICO GUEIROS, TRF/2ª – AC 199650010078991, Rel. Juiz SERGIO SCHWAITZER, TRF/2ª – AC 473418/PE, Rel. Juiz FRANCISCO BARROS DIAS, TRF/5ª – AC 9702430844, Rel. Juiz MARIA ALICE PAIM LYARD, TRF/2ª – AG 00179191220154010000, Rel. Juiz JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF/1ª – AG 200904000000260, Rel. Juiz CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF/4ª – AG 42496/CE, Rel. Juiz FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (Convocado), TRF/5ª – AGRAC 00173149619974010000, Rel. Juiz MARCIO BARBOSA MAIA, TRF/1ª – AI 00991837520074030000, Rel. Juiz ALDA BASTO, TRF/3ª – EIAC 00339163020094013400, Rel. Juiz DANIEL PAES RIBEIRO, TRF/1ª – EINF 200171040048569, Rel. Juiz MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF/4ª, v.g.):

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO. 1 – As outorgas de concessões de serviço público exigem necessariamente a realização de licitação pública, uma vez que apenas por meio do procedimento licitatório é possível assegurar-se a igualdade de condições a todos os interessados em explorar o serviço público, objetivando-se, assim, a otimização da prestação do serviço. Precedentes do STF, do STJ e do TRF 1ª Região. 2 – Apelação a que se nega provimento.”
(AC 00204884920074013400, Rel. Juiz VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (Convocado), TRF/1ª – grifei)

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EXPLORAÇÃO DE TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ART. 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1 – A autorização, permissão ou concessão de serviço público de transporte rodoviário interestadual de passageiros somente pode ser outorgada pela União (art. 21, XII, ‘e’, da CF), mediante licitação e após análise da conveniência e necessidade de implementação de uma determinada linha de transporte de passageiros pela Administração. 2 – Não cabe ao Judiciário substituir a Administração, para autorizar a exploração do serviço de transporte, ainda que de forma provisória, sob pena de violação do princípio da separação de Poderes e da obrigatoriedade de licitação. 3 – Precedentes jurisprudenciais. 4 – Recurso e remessa necessária providos.”
(AC 200002010212573, Rel. Juíza CLAUDIA MARIA BASTOS NEIVA, TRF/2ª – grifei)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL – PRESSUPOSTOS LEGAIS – AUSÊNCIA – ARTS. 47 E 50, CPC – INTERESSE MERAMENTE ECONÔMICO DE OUTRAS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS OU PERMISSIONÁRIAS – TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS – SERVIÇO PÚBLICO – DELEGAÇÃO AO PARTICULAR – NECESSIDADE DE PRÉVIA LICITAÇÃO. (…). 3. O transporte interestadual de passageiros caracteriza-se como serviço público, consoante dicção do art. 21, XII, ‘e’, c.c. 175, ambos da Constituição Federal. 4. A exploração dos serviços públicos de transporte coletivo interestadual ou internacional é precedida da necessária e indispensável licitação, sendo exercida em consonância com os elementos nesta fixados, ou seja, os itinerários, horários, freqüência, etc., preestabelecidos no edital de licitação, de acordo com o art. 20 do Decreto nº 952/93, e 17 do Decreto 2521/98. Precedentes do C. STF e desta E. Turma.”
(AC 00017287019984036000, Rel. Juiz MAIRAN MAIA, TRF/3ª – grifei)

“AGRAVO. SUSPENSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. GRAVE LESÃO AOS BENS TUTELADOS PELO ART. 4º DA LEI 8.437/92. TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. SERVIÇO PÚBLICO EXPLORADO DIRETAMENTE PELA UNIÃO OU MEDIANTE OUTORGA ADMINISTRATIVA. PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. O artigo 4º da lei nº 8.437/92 prevê a possibilidade de suspensão das decisões concessivas de liminares e sentenças proferidas em ações contra o Poder Público ou seus agentes, se configurado que a execução do ato judicial implicará ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Pedido formulado pela ANTT objetivando a suspensão de decisão judicial que autorizou a prestação de serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros, independentemente de outorga administrativa. Precedentes desta Corte e dos Tribunais Superiores. Hipótese em que a autorização judicial causa: a) lesão à ordem jurídica, na medida em que compete à União a exploração dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, seja de forma direta, seja mediante autorização, concessão ou permissão, nesses casos, obrigatoriamente precedida de licitação (art. 21, XII, ‘e’, 175 e 178, todos da CF/88); b) lesão à ordem administrativa, visto que o sistema nacional de transporte rodoviário de passageiros vigente decorre de estudo técnico detido, elaborado com objetivo de interligar as esferas federal, estadual e municipal; e c) prejuízos às empresas formalmente autorizadas a explorar rotas previamente definidas pela ANT, devido à sobreposição de linhas. Agravo improvido.”
(SL 200904000306098, Rel. Juiz VILSON DARÓS, TRF/4ª – grifei)

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. IMPRESCINDIBILIDADE DE PRÉVIA LICITAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA.
1. Impossibilidade de o Judiciário substituir a autoridade administrativa admitindo que a Autora continue a exercer a atividade de transporte interestadual de passageiros, sem que para tal esteja habilitada. Não dispondo de qualquer título que a torne apta ao dito exercício, a suplicante não faz jus à manutenção da situação fática eventualmente existente e à outorga de uma chancela judicial, a ampará-la e a compatibilizá-la, ainda que provisoriamente, com o ordenamento jurídico.
2. Ausência dos requisitos essenciais da ação cautelar, ou seja, do ‘fumus boni iuris’ e do ‘periculum in mora’. Precedentes.
3. Apelações da ** e da União providas. Remessa Oficial provida.”
(AC 336208/CE, Rel. Juiz ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (Convocado), TRF/5ª – grifei)

Também o E. Superior Tribunal de Justiça perfilha igual orientação (REsp 964.946/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO – REsp 1.208.580/RJ, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS – RMS 21.843/GO, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, v.g.):

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – ADMISSIBILIDADE. OUTORGA DE AUTORIZAÇÃO PARA A EXPLORAÇÃO DE LINHA RODOVIÁRIA. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA.
…...................................................................................................
2. O transporte coletivo de passageiros nas rodovias federais é um serviço público, competindo à União explorá-lo diretamente ou outorgar sua execução, mediante autorização, concessão ou permissão, a teor do que dispõe o art. 21, XII, “e”, e art. 175 da Constituição Federal, conforme conveniência e necessidade. A implantação de nova linha de transporte, bem como qualquer alteração referente à linha ou à prestação do serviço por empresa de ônibus deverá sempre ser precedida de licitação. (…).”
(REsp 617.147/PR, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

“ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS – AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO – LINHAS DE TRANSPORTE EM REGIME DE PERMISSÃO – AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO – AUTORIZAÇÕES PRECÁRIAS PARA PREENCHER A LACUNA PELO PODER JUDICIÁRIO.
1. Após a CF de 88 se passou a exigir licitação para a concessão do serviço de transporte de passageiros intermunicipal, respeitadas as permissões concedidas antes do novo regramento normativo.
2. Constatação inequívoca de que a impossibilidade do Poder Público conceder novas permissões e a ausência de licitação por vontade política ocasionam graves prejuízos à população.
3. Não pode o Poder Judiciário pretender suprir a omissão do Executivo autorizando o funcionamento de serviços de transportes, sob pena de desorganizar o modelo político da divisão de tarefas pelos Poderes.
4. Recurso especial das empresas conhecido e não provido, recurso especial da União conhecido em parte e nessa parte provido.”
(REsp 661.122/PR, Red. p/ o acórdão Min. ELIANA CALMON – grifei)

Cabe enfatizar, neste ponto, considerada a regra inscrita no art. 175 da Constituição da República, que a exploração indireta de serviços públicos em geral, nestes compreendidos os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (CF, art. 21, XII, alínea “e”), quando efetivada mediante concessão ou permissão, dar-se-á “sempre através de licitação” (CF, art. 175, “caput”).
Em razão dessa específica cláusula constitucional fundada no art. 175, “caput”, da Constituição, editou-se a Lei nº 12.996, de 18/06/2014, que introduziu alterações relevantes na legislação básica sobre a matéria consubstanciada na Lei nº 10.233, de 05/06/2001.
Com efeito, a Lei nº 12.996/2014 definiu a autorização (modalidade de delegação unilateral) como uma das formas de outorga, quando se tratar de “prestação regular de serviços de transporte terrestre coletivo interestadual e internacional de passageiros desvinculados da exploração da infraestrutura” (art. 13, inciso V, alínea “e”, da Lei nº 10.233/2001).
Ao assim proceder, a União Federal viabilizou a possibilidade de, adotada a autorização no contexto normativo que venho de mencionar (Lei nº 10.233/2001, art. 13, V, “e”, na redação dada pela Lei nº 12.996/2014), não tornar obrigatória a prévia instauração de procedimento licitatório, como se vê do art. 43 da Lei nº 10.233/2001, na redação que lhe deu a MP nº 595/2012, convertida na Lei nº 12.815/2013:

“Art. 43. A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será outorgada segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características: (…)
I – independe de licitação;
II – é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição;
III – não prevê prazo de vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renúncia, anulação ou cassação.” (grifei)

Resulta claro desse novo quadro normativo que não mais subsiste o fundamento de ofensa ao art. 175, “caput”, c/c o art. 21, XII, “e”, ambos da Constituição, pois, naqueles casos em que a delegação unilateral assumir a forma administrativa da autorização, tonar-se-á desnecessária a prévia licitação para efeito de outorga da exploração de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.
Mesmo que fosse possível superar os obstáculos processuais precedentemente referidos, ainda assim não se revelaria admissível o ajuizamento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Refiro-me ao fato, juridicamente relevante, de que a pretensão de reconhecimento de ofensa a preceitos fundamentais deduzida nesta causa dirige-se a interpretações judiciais de diploma legislativo de índole pós-constitucional (Lei nº 10.233, de 05/06/2001, alterada pela Lei nº 12.815/2013 e pela Lei nº 12.996/2014), o que evidencia a inadmissibilidade da presente arguição de descumprimento, considerados os julgamentos – colegiados e monocráticos – proferidos por esta Corte Suprema a respeito dessa específica questão.
Cabe destacar, bem por isso, o fato de que o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem advertido ser inadmissível a arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando se tratar de diploma normativo pós-constitucional, vale dizer, de espécie normativa editada após a vigência da presente Constituição, ou quando se cuidar, como sucede na espécie, de interpretação judicial que tenha por objeto legislação pós-constitucional (ADPF 158-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – ADPF 314-AgR/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADPF 330-AgR/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
E a razão dessa diretriz jurisprudencial é uma só: por tratar-se de diploma normativo pós-constitucional, há, no plano dos processos objetivos, instrumento de controle normativo abstrato, como a ação declaratória de constitucionalidade, em cujo âmbito torna-se possível a adoção de meio eficaz apto a sanar, com real efetividade, o estado de lesividade alegadamente resultante dos atos estatais impugnados (Lei nº 9.868/99, art. 21).
Por tal motivo, esta Suprema Corte tem acentuado que será inadmissível a arguição de descumprimento de preceito fundamental onde cabível a ação direta de inconstitucionalidade (ADPF 329-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) ou a própria ação declaratória de constitucionalidade:

“Em outros termos, o princípio da subsidiariedade – inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão –, contido no § 1º do art. 4º da Lei nº 9.882, de 1999, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.
…..................................................................................................
Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a arguição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade – isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata –, há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental.”
(ADPF 33/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Nem se diga que, em razão de tratar-se de legitimação ativa de caráter estrito (Lei nº 9.868/99, art. 13), não seriam invocáveis, na espécie, os precedentes mencionados, eis que o § 1º do art. 4º da Lei nº 9.882/99, ao pré-excluir a arguição de descumprimento de preceito fundamental “quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”, refere-se à possibilidade de utilização de qualquer espécie de processo de perfil objetivo (ADI, ADO ou ADC), independentemente de o autor da arguição de descumprimento dispor, ele próprio, de qualidade para agir em sede de ação declaratória de constitucionalidade.
O que se mostra relevante acentuar, no ponto, é a possibilidade teórica de existirem meios eficazes de neutralização dos efeitos alegadamente lesivos resultantes do ato estatal impugnado, ainda que o meio processual utilizável esteja sujeito a uma cláusula estrita de legitimação ativa.
Inadmissível, desse modo, também por esse outro fundamento, a presente ação constitucional, por nela tratar-se de interpretação judicial incidente sobre ato estatal posterior à promulgação da vigente Carta Política, a significar que o diploma legislativo em causa, tendo em vista o seu caráter pós-constitucional, revela-se suscetível de exame mediante ação declaratória de constitucionalidade (ADPF 317-MC/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO), motivo pelo qual incide, na espécie, a cláusula da subsidiariedade fundada no § 1º do art. 4º da Lei nº 9.882/99.
Mostra-se tão relevante esse aspecto da questão que o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento, assentou a impossibilidade de converter-se a arguição de descumprimento de preceito fundamental (em cujo âmbito se haja instaurado o exame de lei pós-constitucional) em qualquer outra modalidade de controle abstrato de constitucionalidade (ADPF 314-AgR/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno).
Há, ainda, uma outra razão que constitui obstáculo ao processamento desta arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Tal como salientei em passagem anterior desta decisão, pronunciamentos judiciais podem qualificar-se como “res habilis”, vale dizer, como objeto idôneo suscetível de impugnação em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, desde que referidas manifestações decisórias ainda não tenham transitado em julgado, em face do que prescreve o art. 5º, § 3º, “in fine”, da Lei nº 9.882/99.
Esse entendimento não só tem o beneplácito do magistério doutrinário (a que precedentemente aludi nesta decisão), mas encontra suporte na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
As considerações que venho de fazer prendem-se ao fato de que todas as decisões veiculadoras da interpretação ora questionada, expressamente referidas pela ora arguente em sua petição inicial, transitaram em julgado, o que inviabiliza o processamento desta arguição de descumprimento.
As decisões em causa, que veicularam a outorga de provimentos cautelares e antecipatórios, todas elas transitadas em julgado, foram proferidas nos seguintes processos:

– Agravo de Instrumento nº 2004.01.00.002790-1/BA, TRF/1ª: trânsito em julgado em 05/07/2005;
– Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.036135-0/PR, TRF/4ª: trânsito em julgado em 30/04/2008 (REsp);
– Apelação Cível nº 2001.04.01.033093-1/PR, TRF/4ª: trânsito em julgado em 03/03/2010 (REsp) e 03/11/2010 (RE);
– Agravo de Instrumento nº 2004.04.01.047614-8/RS, TRF/4ª: trânsito em julgado em 01/07/2008;
– Apelação Cível nº 2001.04.01.033082-7/PR, TRF/4ª: trânsito em julgado em 03/03/2010 (REsp) e em 28/06/2010 (RE);
– Mandado de Segurança nº 2002.01.00.007504-5/PA, TRF/1ª: trânsito em julgado em 29/11/2005 (REsp);
– Agravo de Instrumento nº 2004.01.00.007110-3/DF, TRF/1ª: trânsito em julgado em 17/04/2006;
– Agravo de Instrumento nº 2004.04.01.021930-9/RS, TRF/4ª: trânsito em julgado em 07/06/2006;
– Agravo de Instrumento nº 2004.01.00.008316-0/DF, TRF/1ª: trânsito em julgado em 28/02/2011.

Não constitui demasia relembrar que a existência de coisa julgada atua como pressuposto negativo de admissibilidade do ajuizamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, tornando-a incognoscível, em consequência, se e quando promovida contra decisões revestidas da autoridade da coisa julgada, tal como adverte, com absoluta precisão, o eminente Professor ELIVAL DA SILVA RAMOS (“Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Delineamento do Instituto”, “in” Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei nº 9.882/99, obra coletiva, p. 116/117, item n. 2.1, 2001, Atlas):

“É certo que a eficácia do instrumento, uma vez revestido dessa característica de incidente processual, dependerá, em grande parte, da concessão de medida liminar pelo Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no § 3º do art. 5º do referido diploma legal, no sentido de determinar a suspensão do andamento do processo, bem como, desde logo, o efeito de decisão judicial eventualmente já proferida, desde que ainda não transitada em julgado. Esse é um importante limite que o Legislador Ordinário expressamente estipulou em relação à utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental em face de atos judiciais, excluindo a possibilidade de gerar efeitos rescisórios.” (grifei)

Na realidade, esse entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (ADPF 288-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) que adverte – tal como anteriormente referido – que a arguição de descumprimento de preceito fundamental não se qualifica como sucedâneo da ação rescisória, eis que “Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir a coisa julgada” (ADPF 134-AgR-terceiro/CE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno – grifei).
A importância e o elevado sentido político-jurídico da “res judicata”, examinada em sua acepção material, justificam a compreensão que se vem de mencionar, considerados os atributos de indiscutibilidade, de imutabilidade e de coercibilidade que exprimem as notas especiais que tipificam os efeitos resultantes do comando sentencial.
É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, já destacou o significado do instituto da coisa julgada material “como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito” (RE 659.803-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Daí a advertência de NELSON NERY JUNIOR e de ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (“Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, p. 715/716, item n. 28, 11ª ed., 2010, RT):

“28. Coisa julgada material e Estado Democrático de Direito. A doutrina mundial reconhece o instituto da coisa julgada material como ‘elemento de existência’ do Estado Democrático de Direito (…). A ‘supremacia da Constituição’ está na própria coisa julgada, enquanto manifestação do Estado Democrático de Direito, fundamento da República (CF 1.º ‘caput’), não sendo princípio que possa opor-se à coisa julgada como se esta estivesse abaixo de qualquer outro instituto constitucional. Quando se fala na intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar ao instituto tratamento jurídico inferior, de mera figura do processo civil, regulada por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o reconhecimento da coisa julgada com a magnitude constitucional que lhe é própria, ou seja, de elemento formador do Estado Democrático de Direito (…).” (grifei)

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no precedente já referido, ao acentuar que não é função constitucional da arguição de descumprimento de preceito fundamental atuar como instrumento de desconstituição da autoridade da coisa julgada em sentido material, claramente delimitou o âmbito de incidência dessa ação constitucional, pré-excluindo de seu campo de abrangência atos jurisdicionais como os ora referidos na petição inicial, desde que impregnados, como sucede na espécie, dos atributos que qualificam a “res judicata”.
Ao assim decidir, esta Corte Suprema levou em consideração o magistério de doutrinadores eminentes – tais como HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (“Curso de Direito Processual Civil”, vol. I/550- -553, itens ns. 516/516-a, 51ª ed., 2010, Forense), VICENTE GRECO FILHO (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. 2/267, item n. 57.2, 11ª ed., 1996, Saraiva), MOACYR AMARAL SANTOS (“Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, vol. 3/56, item n. 754, 21ª ed., 2003, Saraiva), EGAS MONIZ DE ARAGÃO (“Sentença e Coisa Julgada”, p. 324/328, itens ns. 224/227, 1992, Aide) e ENRICO TULLIO LIEBMAN (“Eficácia e Autoridade da Sentença”, p. 52/53, item n. 16, nota de rodapé, tradução de Alfredo Buzaid/Benvindo Aires, 1945, Forense, v.g.) –, cujas lições enfatizam a verdadeira razão de ser do instituto em questão: preocupação em garantir a segurança nas relações jurídicas e em preservar a paz no convívio social, valendo rememorar, por relevante, a observação de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Manual de Direito Processual Civil”, vol. III/329, item n. 687, 2ª ed./2ª tir., 2000, Millennium Editora) em torno das relações entre a coisa julgada material e a Constituição:

“A coisa julgada cria, para a segurança dos direitos subjetivos, situação de imutabilidade que nem mesmo a lei pode destruir ou vulnerar – é o que se infere do art. 5º, XXXVI, da Lei Maior. E sob esse aspecto é que se pode qualificar a ‘res iudicata’ como garantia constitucional de tutela a direito individual.
Por outro lado, essa garantia, outorgada na Constituição, dá mais ênfase e realce àquela da tutela jurisdicional, constitucionalmente consagrada, no art. 5º, XXXV, para a defesa de direito atingido por ato lesivo, visto que a torna intangível até mesmo em face de ‘lex posterius’, depois que o Judiciário exaure o exercício da referida tutela, decidindo e compondo a lide.” (grifei)

Nem se diga que eventual inobservância da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal poderia legitimar a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental com função rescindente, pois, mesmo em tal hipótese, esta Corte não tem admitido o desrespeito à autoridade da coisa julgada (ADPF 52-MC/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 176-AgR/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADPF 224/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – ADPF 249-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 288-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 340/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – ADPF 345/BA, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – RE 401.399/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 431.014-AgR/RN, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 504.197- AgR/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.):

“(...) Sob pretexto de contrariar a jurisprudência, não pode ser descumprida sentença recoberta por coisa julgada material.”
(RE 486.579-AgR-AgR/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL – INDISCUTIBILIDADE, IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA JULGADA – EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS – VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – EFICÁCIA PRECLUSIVA DA ‘RES JUDICATA’ – ‘TANTUM JUDICATUM QUANTUM DISPUTATUM VEL DISPUTARI DEBEBAT’ – CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.”
(RE 659.803-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Todas essas razões justificam, plenamente, a oponibilidade da “res judicata” em sentido material ao instituto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cuja função constitucional, insista-se, não se reveste de caráter rescindente, tal como já advertiu, em precedente específico, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADPF 134-AgR-terceiro/CE, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI).
Registro, finalmente, que a inviabilidade da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, em decorrência das razões ora expostas, justifica a seguinte observação: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste ao Ministro Relator competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar.
Impõe-se referir, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, estranhos à competência desta Corte, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175).
Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“PODERES PROCESSUAIS DO MINISTRO-RELATOR E PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.
– Assiste ao Ministro-Relator competência plena para exercer, monocraticamente, com fundamento nos poderes processuais de que dispõe, o controle de admissibilidade das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal. Pode, em conseqüência, negar trânsito, em decisão monocrática, a ações, pedidos ou recursos, quando incabíveis, intempestivos, sem objeto ou, ainda, quando veicularem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante na Suprema Corte. Precedentes.
– O reconhecimento dessa competência monocrática deferida ao Relator da causa não transgride o postulado da colegialidade, pois sempre caberá, para os órgãos colegiados do Supremo Tribunal Federal (Plenário e Turmas), recurso contra as decisões singulares que venham a ser proferidas por seus Juízes.”
(MS 28.097-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos objetivos de controle concentrado de constitucionalidade (ADC 21/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD – ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADO 3/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – ADPF 6-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 40/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – ADPF 82/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES – ADPF 95/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – ADPF 104-MC/SE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADPF 125/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – ADPF 239/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – ADPF 240/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – ADPF 287/TO, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ADPF 288-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 308/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – ADPF 319/PB, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ADPF 327/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADPF 329-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADPF 333/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADPF 340/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – ADPF 352/MT, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ADPF 363-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai ao Relator da causa o poder de efetuar – enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) – o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui, entre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Sendo assim, e em face das razões expostas, não conheço da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, inviabilizando-se, em consequência, o exame do pedido de medida liminar.


Arquivem-se os presentes autos.


Publique-se.


Brasília, 27 de outubro de 2015.



Ministro CELSO DE MELLO
Relator


*decisão publicada no DJe de 4.11.2015
**nome suprimido pelo Informativo



INOVAÇÕES LEGISLATIVAS


Lei Complementar nº 152, de 3.12.2015 - Dispõe sobre a aposentadoria compulsória por idade, com proventos proporcionais, nos termos do inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 232, p. 2, em 4.12.2015.


Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br


Secretaria de Documentação

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FONTE  - STF