quinta-feira, 19 de novembro de 2015

STF - INFORMATIVO 802

Informativo STF

Brasília, 5 a 9 de outubro de 2015 - Nº 802.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.


SUMÁRIO


Plenário
Desmembramento e foro por prerrogativa de função
Conflito de atribuições: tribunal de justiça militar e ministério público
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 1
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 2
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 3
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 1
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 2
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 3
Repercussão Geral
Eleição suplementar e inelegibilidade - 1
Eleição suplementar e inelegibilidade - 2
1ª Turma
Descumprimento de ordem judicial e ciência
Ação Penal e “habeas corpus” de ofício - 3
2ª Turma
Crime cometido por prefeito e competência do TRE
Lei de Imprensa e abuso do direito de informar - 1
Lei de Imprensa e abuso do direito de informar - 2
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Guarda municipal e fiscalização de trânsito (RE 658.570-MG)


PLENÁRIO

Desmembramento e foro por prerrogativa de função

O Plenário negou provimento a agravo regimental em reclamação na qual se discutia alegada usurpação da competência do STF para o processamento de detentor de foro por prerrogativa de função. Na espécie, o STF, em 19.12.2014, nos autos da Pet 5.245/DF, acolhera requerimento de cisão processual, mantendo-se na Corte o trâmite de termos de depoimento em que figurassem detentores de prerrogativa de foro, com remessa dos demais aos juízos e tribunais com competência para processamento dos demais investigados. Assim, o reclamante fora mencionado especificamente em determinado termo de depoimento, no âmbito de acordo de colaboração premiada devidamente homologada, havendo a instauração de procedimento autônomo (Pet 5.278/DF), com o seguinte desmembramento dos autos, para que prosseguissem no juízo reclamado as investigações contra os demais investigados que não possuíssem prerrogativa de foro no STF. A Corte afirmou que, nesse contexto, com o desmembramento realizado e a remessa de cópia dos termos à origem, eventual encontro de novos indícios da participação de parlamentar em momento subsequente não invocaria, por si só, usurpação de competência, pois apurados por autoridade judiciária que, por decisão do STF, prosseguira na condução de procedimentos relativos aos mesmos fatos, todavia referentes a não detentores de prerrogativa de foro. Ademais, não mereceria prosperar a alegação de que teria havido investigação direta do reclamante por parte do juízo reclamado. A violação de competência implicaria a realização de medidas investigatórias dirigidas às autoridades sujeitas à prerrogativa de foro e não a simples declaração de réu colaborador, com menção sobre a participação de detentores de foro por prerrogativa de função durante audiência de instrução. Raciocínio inverso levaria à conclusão de que toda vez que despontasse elemento probatório novo veiculado aos fatos investigados, todos os processos e ações penais em andamento haveriam de retornar ao STF para novo exame, o que, além de desarrazoado, inviabilizaria, na prática, a persecução penal. Outrossim, em casos de desmembramento seria comum a existência, em juízos diversos, de elementos relacionados tanto ao detentor de prerrogativa de foro quanto aos demais envolvidos. Contudo, a existência dessa correspondência não caracterizaria usurpação de competência. Pelo contrário, a simples menção do nome do reclamante em depoimento de réu colaborador, durante a instrução, não caracterizaria ato de investigação, ainda mais quando houvesse prévio desmembramento, como no caso.
Rcl 21419 AgR/PR, rel. Min.Teori Zavascki, 7.10.2015. (Rcl-21419)


Audio 

Conflito de atribuições: tribunal de justiça militar e ministério público

O Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, negou provimento a agravos regimentais em ações cíveis originárias que tratavam de conflito de atribuições relativamente à apuração de crime cometido por membro de tribunal de justiça militar criado em âmbito estadual. Na espécie, órgão do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul, ao suscitar o conflito em questão, entendera que o STJ seria o órgão competente para processar e julgar o referido magistrado, considerado o quanto disposto no art. 104, § 5°, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (“Os Juízes do Tribunal Militar do Estado terão vencimento, vantagens, direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos iguais aos dos Desembargadores do Tribunal de Justiça”), o que ensejaria a atribuição do MPU para atuar no feito. As decisões agravadas, ao acatar a argumentação do suscitante, assentaram a atribuição do PGR. A Corte, mantendo esse entendimento, destacou que a constitucionalidade do referido dispositivo da Constituição estadual ainda estaria pendente de análise na ADI 4.360/RS. O fenômeno da prescrição e a necessária maturação da questão constitucional proposta em sede de controle concentrado recomendariam que se resolvesse o presente conflito imediatamente, de acordo com as normas atualmente inseridas no ordenamento jurídico. As referidas normas se presumiriam constitucionais, não havendo prejuízo imediato para as partes no deslocamento das investigações para a Procuradoria-Geral da República. Os Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber ressalvaram seu entendimento quanto ao conhecimento das ações. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia os agravos para assentar a atribuição do Ministério Público estadual para atuar no caso em comento.
ACO 1664 AgR/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7 e 8.10.2015. (ACO-1664)
ACO 1516 AgR/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7 e 8.10.2015. (ACO-1516)

1ª Parte: 

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2ª Parte: 

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Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 1

O Plenário iniciou o julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade e de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se discute a autonomia de Defensorias Públicas estaduais. Na ADI 5.286/AP, debate-se a constitucionalidade de dispositivos da LC 86/2014 do Estado do Amapá, que atribuem ao Chefe do Executivo estadual competências administrativas, como as de prover cargos e de aplicar penalidades no âmbito da Defensoria Pública local. O Ministro Luiz Fux (relator) conheceu parcialmente da ação e julgou o pedido parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade de expressões que submetem a Defensoria Pública a atos do governador, por ofensa aos artigos 24, XIII e § 1º; e 134, ambos da CF. De início, assentou a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Defensores Públicos - Anadep, nos termos do art. 103, IX, da CF. Ademais, identificou a pertinência temática, pela correlação entre a norma impugnada e os objetivos institucionais da Anadep, bem como a repercussão direta da aplicação da norma a seus associados. Reputou que o conhecimento parcial da ação se imporia pelo fato de a via eleita se prestar, no caso, somente à apreciação da referida lei complementar, mas não à análise de atos normativos secundários, atos de efeitos concretos ou, ainda, atos administrativos. No mérito, assinalou que a garantia constitucional do acesso à justiça exigiria a disponibilidade de instrumentos processuais idôneos à tutela dos bens jurídicos protegidos pelo direito positivo. Nesse sentido, a Constituição atribui ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral aos necessitados. Assim, a Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, representaria verdadeira essencialidade do Estado de Direito. Quanto às Defensorias Públicas estaduais, a EC 45/2004 conferira-lhes autonomia funcional e administrativa, além de iniciativa própria para a elaboração de suas propostas orçamentárias. O relator asseverou, ainda, que o art. 24 da CF estabelece competências concorrentes entre União e Estados-Membros para legislar sobre determinados temas, determinando a edição de norma de caráter genérico na primeira e de caráter específico na segunda hipótese. Consectariamente, as leis estaduais que, no exercício da competência legislativa concorrente, disponham sobre as Defensorias Públicas estaduais devem atender às disposições já constantes das definições de regras gerais realizadas pela LC 80/1994. Verificou que, no caso, atribuir-se-ia ao governador a incumbência de nomear membros da carreira para diversos cargos elevados dentro da instituição, o que seria incompatível com a referida lei complementar e com o texto constitucional. No que se refere à autonomia financeira, o relator observou que as Defensorias Públicas estaduais teriam a prerrogativa de formular sua própria proposta orçamentária. Assim, a elas deveria ser assegurada a iniciativa de lei para a fixação do subsídio de seus membros (CF, art. 96, II).
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADPF-339)

Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 2

Por sua vez, na ADI 5.287/PB, discute-se a constitucionalidade de ato mediante o qual o governador, por meio da Lei 10.437/2015 do Estado da Paraíba, reduzira unilateralmente valores previstos na LOA destinados à Defensoria Pública, em relação ao que inicialmente proposto pela instituição quando da consolidação da proposta orçamentária enviada ao Legislativo. No caso, o Ministro Luiz Fux (relator) também conheceu parcialmente da ação e julgou o pedido procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei, sem pronúncia de nulidade, apenas quanto à parte em que fixada a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual, em razão da prévia redução unilateral. Inicialmente, reportou-se aos fundamentos do caso anterior. Acrescentou que as Defensorias Públicas teriam a prerrogativa de elaborar e apresentar suas propostas orçamentárias, as quais devem, posteriormente, ser encaminhadas ao Executivo. Haveria apenas dois requisitos para tanto: a) a proposta orçamentária deveria ser elaborada em consonância com o que previsto na respectiva LDO; e b) a proposta deveria ser encaminhada em conformidade com a previsão do art. 99, § 2º, da CF. A apreciação das leis orçamentárias deveria se dar perante o órgão legislativo correspondente, ao qual caberia deliberar sobre a proposta apresentada, fazendo-lhe as modificações que julgasse necessárias. Ressaltou, no ponto, o art. 166 da CF. No caso, assinalou que, no momento da consolidação da proposta orçamentária a ser encaminhada à assembleia estadual, o governador reduzira unilateralmente os valores das propostas apresentadas pelo Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, apesar de as propostas estarem em conformidade com a LDO, o que afrontaria a Constituição.
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADPF-339)

Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 3

No que se refere à ADPF 339/PI, fora ajuizada em face de suposta omissão do governador do Estado do Piauí, consistente na ausência de repasse de duodécimos orçamentários à Defensoria Pública estadual, na forma da proposta originária. O Ministro Luiz Fux (relator) julgou procedente o pedido para, diante de lesão aos artigos 134, § 2º; e 168, ambos da CF, determinar ao governador que proceda ao repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela LOA para o exercício financeiro de 2015, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição. Sublinhou serem asseguradas às Defensorias Públicas a autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua proposta orçamentária, por força da Constituição. O repasse de recursos correspondentes, destinados à Defensoria Pública, ao Judiciário, ao Legislativo e ao Ministério Público, sob a forma de duodécimos, seria imposição constitucional. Ressaltou que o repasse de duodécimos destinados ao poder público, quando retidos pelo governo, constituiria prática indevida de flagrante violação aos preceitos fundamentais da Constituição. Assentou que o princípio da subsidiariedade, ínsito ao cabimento da arguição, estaria atendido diante da inexistência, para a autora, de outro instrumento igualmente eficaz ao atendimento célere da tutela constitucional pretendida. Reconheceu, ainda, a legitimidade ativa da Anadep. Em seguida, pediu vista o Ministro Edson Fachin.
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.10.2015. (ADPF-339)

1ª Parte: 

Audio 

2ª Parte: 

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EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 1

O Plenário iniciou o julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade na qual se pretende a suspensão da eficácia do § 3º do art. 134 da CF, introduzido pela EC 74/2013, segundo o qual se aplica às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal o disposto no § 2º do mesmo artigo, este introduzido pela EC 45/2004, a assegurar às Defensorias Públicas estaduais autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º, da CF. A Ministra Rosa Weber (relatora) indeferiu o pedido de liminar. De início, equacionou que a controvérsia diria respeito à aplicabilidade, às propostas de emenda constitucional, da cláusula de iniciativa legislativa reservada à Presidência da República (CF, art. 61, § 1º). Além disso, discutir-se-ia se emenda constitucional sobre matéria elencada no art. 61, § 1º, II, da CF — sem que o processo constituinte reformador tenha sido deflagrado pelo titular da iniciativa fixada nesse dispositivo para as leis complementares e ordinárias — fere o postulado da separação de poderes (CF, art. 60, § 4º, III). Afirmou que o direito constitucional pátrio inscreve a emenda constitucional entre os atos elaborados por meio de processo legislativo (CF, art. 59). A respeito, a jurisprudência da Corte reconhece, com apoio no princípio da simetria, a inconstitucionalidade de emendas a constituições estaduais, por inobservância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo. Não haveria, por outro lado, precedente do Colegiado a assentar, no plano federal, a sujeição do poder constituinte derivado à cláusula de reserva de iniciativa do Chefe do Executivo prevista de modo expresso no art. 61, § 1º, da CF, para o Poder Legislativo complementar e ordinário (poderes constituídos). Anotou que a orientação segundo a qual o poder das assembleias legislativas de emendar constituições estaduais está sujeito à reserva de iniciativa do Executivo local existiria desde antes do advento da CF/1988. Explicou que o Poder Constituinte, originário ou derivado, delimita as matérias alçadas ao nível constitucional, e também aquelas expressamente atribuídas aos legisladores ordinário e complementar. Norma de constituição estadual dotada de rigidez não imposta pela Constituição Federal seria contrária à vontade desta. Assim, não se reveste de validade constitucional a emenda a constituição estadual que, subtraindo o regramento de determinada matéria do titular da reserva de iniciativa legislativa, elava-a à condição de norma constitucional. Desse modo, emana da jurisprudência do STF uma visão segundo a qual o poder constituinte estadual jamais é originário. É poder constituído, cercado por limites mais rígidos do que o poder constituinte federal. A regra da simetria seria exemplo disso. Por essa razão, as assembleias legislativas se submeteriam a limites rígidos quando ao poder de emenda às constituições estaduais. Entretanto, não haveria precedentes no sentido de que as regras de reserva de iniciativa contempladas no art. 61 da CF alcançam o processo de emenda à Constituição disciplinado em seu art. 60.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 8.10.2015. (ADI-5296)

EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 2

A relatora consignou que os limites formais ao Poder Constituinte derivado são os inscritos no art. 60 da CF, segundo o qual a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) do Presidente da República; ou c) de mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Já a iniciativa privativa de leis sobre determinadas matérias é assegurada, no plano federal, ao Presidente da República, ao STF, aos tribunais superiores e ao Procurador-Geral da República. Não haveria, portanto, identidade entre o rol dos legitimados para a propositura de emenda à Constituição e o dos atores aos quais reservada a iniciativa legislativa sobre determinada matéria. Seria, pois, insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CF, à leitura conjunta desse dispositivo com o art. 61, § 1º, que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presidência da República. Do contrário, as matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao STF, aos tribunais superiores ou ao Procurador-Geral da República não poderiam ser objeto de emenda constitucional. De um lado, nenhum daqueles legitimados figura no rol do art. 60 da CF e, de outro, nenhum dos relacionados no mesmo dispositivo poderia propor emenda sobre essas matérias. Observou a existência de diversas emendas constitucionais em vigor, cuja constitucionalidade poderia ser legitimamente desafiada, caso prevalecesse a tese da aplicação, às propostas de emenda, das cláusulas que reservam ao Executivo e ao Judiciário a iniciativa legislativa sobre certos temas. No caso da EC 74/2013, frisou que o preceito por ela introduzido diria respeito à Defensoria Pública como instituição, e não ao regime jurídico de seus integrantes. Ainda que, indiretamente, em momento posterior, alteração dessa natureza pudesse refletir no regime jurídico citado, a EC 74/2013 não teria como objeto o reconhecimento de vantagens funcionais, sequer equivaleria a norma dessa natureza. Nesse contexto, estaria ausente o “fumus boni iuris” necessário à concessão da cautelar.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 8.10.2015. (ADI-5296)

EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 3

A relatora acrescentou que, a se entender incidente a cláusula da reserva de iniciativa do Presidente da República sobre as propostas de emenda à Constituição, sua inobservância traduziria, também, afronta à separação de poderes, independentemente do conteúdo material da emenda. O desequilíbrio estaria caracterizado pela ingerência de um poder constituído no terreno exclusivo de outro — o Executivo. Por outro lado, afastada a emenda constitucional do âmbito de incidência da cláusula de reserva de iniciativa legislativa, ainda se lhe impõem os limites materiais do art. 60, § 4º, da CF. Assim, seria necessário analisar a EC 74/2013 à luz desse postulado. A respeito, reputou que o § 2º do art. 134 da CF, introduzido pela EC 45/2004, deveria ser também verificado sob esse aspecto. No ponto, a legitimidade da EC 45/2004, no que assegura autonomia às Defensorias Públicas estaduais, estaria respaldada pela jurisprudência do STF, embora ainda não tivesse sido objeto de análise específica. Pontuou, entretanto, que o art. 60, § 4º, da CF, não veda ao Poder Constituinte derivado o aprimoramento do desenho institucional de entes com sede na Constituição. Esta, ressalvada a imutabilidade das cláusulas pétreas, consagra, mormente por meio das emendas constitucionais, abertura dinâmica ao redesenho das instituições, com vista a seu aperfeiçoamento, desde que observadas, no processo, as garantias constitucionais voltadas a impedir a deturpação do próprio mecanismo e a preservar a essência constitucional. No caso, sob esse enfoque, a concessão de autonomia às Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e estaduais não pareceria incompatível com a ordem constitucional. Pelo contrário, essa medida seria tendente ao aperfeiçoamento do próprio sistema democrático. Nesse contexto, a assistência jurídica aos hipossuficientes seria direito fundamental, na linha do amplo acesso à justiça. Além disso, essa arquitetura institucional encontraria respaldo em práticas recomendadas pela comunidade jurídica internacional, a exemplo do estabelecido na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Sublinhou, ainda, que o art. 127, § 2º, da CF, assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa. Esclareceu, entretanto, que nem sempre seriam legítimas alterações de outra ordem ou em outros segmentos. Seria indispensável o exame de cada caso, em face do art. 60, § 4º, III, da CF. Seria certo, porém, que as atribuições da Defensoria Pública não teriam vinculação direta com a essência da atividade executiva. Por fim, a relatora apontou a ausência de “periculum in mora”, tendo em vista o ajuizamento da ação decorrido mais de um ano da promulgação da EC 74/2013. Além disso, o apontado risco de lesão aos cofres públicos não teria relação direta com a emenda. Em seguida, pediu vista o Ministro Edson Fachin.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 8.10.2015. (ADI-5296)


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REPERCURSÃO GERAL

Eleição suplementar e inelegibilidade - 1

As hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 14, § 7º, da CF, inclusive quanto ao prazo de seis meses, são aplicáveis às eleições suplementares. Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário em que se alegava que, em caso de eleições suplementares, os referidos prazos deveriam ser mitigados. Na espécie, o marido da recorrente, então prefeito, tivera seu mandato cassado pela justiça eleitoral, em razão da prática de abuso do poder econômico. O Tribunal esclareceu que, na hipótese dos autos — eleições suplementares diante do afastamento por irregularidade de prefeito e em que sua esposa fosse candidata —, a questão da inelegibilidade reclamaria compreensão própria. Realçou que, conforme se observaria do parágrafo § 7º do art. 14 da CF (“São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”), o caso seria de inelegibilidade e não de desincompatibilização. Portanto, não se trataria de providência a ser adotada pelo candidato a de desincompatibilizar-se para concorrer.
RE 843455/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 7.10.2015. (RE-843455)

Eleição suplementar e inelegibilidade - 2

A Corte consignou que, como a perda do mandato de prefeito se dera em menos de seis meses do pleito complementar, a desincompatibilização no prazo fixado no parágrafo § 7º do art. 14 da CF constituiria uma condição inalcançável para a recorrente, mesmo que ela desejasse. Entretanto, a questão em análise não diria respeito à desincompatibilização da esposa candidata, já que ela não exercera o cargo do qual devesse, ela própria, desincompatibilizar-se. A hipótese seria de inelegibilidade e, nessa condição, deveria ser considerada para todos os efeitos. Salientou que o § 7º do art. 14 da CF teria o desiderato ético, político e social de prevenir possível apoderamento familiar dos mandatos eletivos, inclusive com utilização indevida da estrutura administrativa. Trataria, portanto, de hipótese constitucional de inelegibilidade e, assim, insuscetível de mitigação em favor dos seus destinatários. A par disso, a orientação da Corte seria a de compreender os §§ 5º, 6º e 7º do art. 14 da CF na sua perspectiva sistemática e teleológica, especialmente em face da introdução, em nosso sistema, do instituto da reeleição. Nessa perspectiva, nas hipóteses em que a reeleição de um dos cônjuges fosse constitucionalmente autorizada, a inelegibilidade do outro soaria incongruente. Em razão disso, o STF firmara entendimento no sentido de que quem pudesse se reeleger poderia ser sucedido pelo cônjuge, e assim, ao contrário, quem não pudesse se reeleger não poderia por ele ser sucedido. Nessa linha, cumpriria dar atenção, não tanto à circunstância da irredutibilidade do prazo constitucional de seis meses da suposta desincompatibilização, mas sim à condição de reelegibilidade do prefeito cassado. Não haveria dúvida, por conseguinte, que o cônjuge da recorrente tornara-se irreelegível, seja para a eleição complementar, seja para novo pleito (LC 64/90, art. 1º, I, c).
RE 843455/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 7.10.2015. (RE-843455)



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PRIMEIRA TURMA

Descumprimento de ordem judicial e ciência

Configura-se o crime de responsabilidade de prefeito, nos termos da segunda parte do inciso XIV do art. 1º do Decreto-Lei 201/1967 (“Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: ... XIV - Negar execução à lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente”), a existência de inequívoca ciência da determinação judicial. A mera comunicação da ordem a terceiros não atende as exigências legais. Com base nessa orientação, e por não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (CPP, art. 386, V), a Primeira Turma absolveu o réu. Na espécie, quando prefeito ao tempo dos fatos, fora acusado de descumprir ordem judicial sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade de fazê-lo, por escrito, à autoridade competente. A Turma apontou que a projeção desse entendimento se guiaria pelos mesmos parâmetros utilizados para aferição do dolo nos delitos em que o ato de desobedecer figurar como elementar do tipo, cuja previsão genérica é a do art. 330 do CP, sobre o qual doutrina e jurisprudência seriam unânimes em exigir a ciência inequívoca do agente quanto à ordem descumprida. Esclareceu que a decisão liminar, cujo descumprimento criminoso fora atribuído ao acusado, bem como aquela que ampliara os seus efeitos, não teriam sido endereçadas ao prefeito, mas aos seus procuradores judiciais. Por fim, ponderou que o fato de o Município não ser pequeno poderia implicar a possibilidade de que a gestão administrativa fosse desconcentrada e descentralizada para além do gabinete do prefeito.
AP 555/SC, rel. Min. Rosa Weber, 6.10.2015. (AP-555)

Ação Penal e “habeas corpus” de ofício - 3

A Primeira Turma retomou julgamento de questão de ordem na qual se discute a possibilidade de concessão de “habeas corpus” de ofício para trancar ação penal. No caso, delegado de polícia, hoje parlamentar, teria autorizado o pagamento de diárias, a policial, para viagens oficiais não realizadas. O juízo recebera a denúncia referente ao crime de peculato apenas em relação à policial. O tribunal, então, provera recurso do “parquet” para dar prosseguimento à ação penal relativamente ao então delegado. Em seguida, diplomado deputado, os autos vieram ao STF. Instado a se pronunciar, o Procurador-Geral da República deixara de ratificar a denúncia e requerera o arquivamento por entender ausente o dolo do acusado, o que afastaria a justa causa da ação penal — v. Informativo 797. Em voto-vista, a Ministra Rosa Weber acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Marco Aurélio no sentido de não ser cabível o implemento da ordem de ofício à falta de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão teratológica. Destacou que o Procurador-Geral da República se manifestara pela ausência de justa causa (inexistência de dolo do acusado) e incursionara nos elementos de prova colhidos no inquérito e na instrução probatória da ação penal desmembrada no 1º grau de jurisdição. Entendeu não se justificar lançar mão de “habeas corpus” de ofício substitutivo de decisão judicial de absolvição, esta cabível e mais benéfica ao réu, segundo a leitura dos autos efetuada pelo titular da ação penal. Ato contínuo, pediu vista o Ministro Luiz Fux.
AP 905 QO/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 6.10.2015. (AP-905)


SEGUNDA TURMA



Crime cometido por prefeito e competência do TRE

A Segunda Turma resolveu questão de ordem para conceder “habeas corpus” de ofício e extinguir ação penal, por ausência de justa causa, nos termos do art. 395, III, do CPP. Na espécie, o Ministério Público Eleitoral denunciara o paciente, então prefeito, por supostamente ter oferecido emprego a eleitores em troca de voto, com intermédio de empresa contratada pela municipalidade. A Turma frisou que o rito instituído pela Lei 11.719/2008, que alterara o CPP, deveria ser aplicado ao 1º grau de jurisdição em matéria eleitoral. Observou que, recebida a denúncia em 1ª instância, antes de o réu ter sido diplomado como deputado federal, e apresentada a resposta à acusação, competiria ao STF, em face do deslocamento de competência, examinar, em questão de ordem, eventuais nulidades suscitadas e a possibilidade de absolvição sumária (CPP, art. 397), mesmo que o rito passasse a ser o da Lei 8.038/1990. Afirmou que, no caso de crime eleitoral imputado a prefeito, a competência para supervisionar as investigações seria do TRE, nos termos do Enunciado 702 da Súmula do STF. Dessa forma, não poderia o inquérito ter sido supervisionado por juízo eleitoral de 1º grau. Além disso, não poderia a autoridade policial direcionar as diligências para investigar e indiciar o prefeito. Assim, a usurpação da competência do TRE constituiria vício que contaminaria de nulidade a investigação realizada, em relação ao detentor de prerrogativa de foro, por violação do princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII).
AP 933 QO/PB, rel. Min. Dias Toffoli, 6.10.2015. (AP-933)

Lei de Imprensa e abuso do direito de informar - 1

A Segunda Turma retomou julgamento de agravo regimental em reclamação na qual se impugna acórdão proferido em suposta ofensa ao que decidido pelo STF na ADPF 130/DF (DJe de 6.11.2009), que assentara a não recepção da Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa) pela CF/1988. Na espécie, a decisão agravada julgara procedente a reclamação para declarar a invalidade do acórdão impugnado — que condenara jornalista ao pagamento de danos morais em razão de abuso do direito de informar —, reconhecida, portanto, a ofensa à decisão proferida na referida ADPF. No agravo alega-se, em suma, que o acórdão reclamado não teria usurpado a competência do STF, tampouco teria ferido a autoridade de suas decisões, uma vez que não se teria aplicado qualquer dispositivo da Lei de Imprensa. Assim, não haveria que se falar em descumprimento da citada decisão. Por outro lado, a própria jurisprudência da Corte assentaria não ser cabível reclamação constitucional para garantir a autoridade e a eficácia do quanto decidido na arguição em referência. Na sessão de 30.6.2015, o Ministro Celso de Mello (relator), ao negar provimento ao agravo, primeiramente assentou a admissibilidade da reclamação nos casos em que se sustentasse, como na hipótese em comento, transgressão à eficácia vinculante de que se mostraria impregnado o julgamento do STF proferido em processos objetivos de controle normativo abstrato, como a ADPF 130/DF. Relativamente ao mérito, destacou que a questão em exame assumiria indiscutível magnitude de ordem político-jurídica, notadamente em face de seus claros lineamentos constitucionais, analisados, de modo efetivo, no julgamento da referida ADPF, em cujo âmbito o STF pusera em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que representaria um dos fundamentos em que se apoiaria a própria noção de Estado Democrático de Direito. O exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento residiria no próprio texto da Constituição, asseguraria ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades. No contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostrar-se-ia intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica — por mais dura que fosse — se revelasse inspirada pelo interesse coletivo e decorresse da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220). Desse modo, a crítica jornalística traduziria direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercessem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitimaria o direito de criticar, sobrepor-se-ia a eventuais suscetibilidades que pudessem revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.
Rcl 15243/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 6.10.2015. (Rcl-15243)

Lei de Imprensa e abuso do direito de informar - 2

Na presente assentada, o Ministro Teori Zavascki, em voto-vista, deu provimento ao agravo regimental para julgar improcedente a reclamação, divergindo do relator. Asseverou que a reclamação seria cabível para preservação da competência do STF e para garantia da autoridade de suas decisões ou para atacar atos que contrariassem ou indevidamente aplicassem enunciado da súmula vinculante. Em ambas as hipóteses, os atos reclamados deveriam estrita aderência ao parâmetro de controle utilizado. Não haveria, porém, no caso em comento, qualquer incompatibilidade com decisão do STF. Embora o julgado impugnado tratasse de indenização por danos morais e direito de resposta em decorrência da veiculação de matéria jornalística, o aresto não estaria assentado na Lei de Imprensa. Não haveria, assim, a indispensável identidade material entre o ato reclamado e o parâmetro de controle, o que seria suficiente para o não acolhimento do pedido. Não haveria dúvida, por outro lado, que a declaração de não recepção dos dispositivos da Lei de Imprensa na ADPF 130/DF teria representado um precedente histórico e fundamental para inibir a prática de qualquer controle prévio sobre a liberdade de imprensa e expurgar indevidas limitações infraconstitucionais ao exercício desse direito. Todavia, embora tivesse afirmado categoricamente a liberdade de expressão, esse precedente não teria chegado ao ponto de afirmar a absoluta irresponsabilidade civil ou penal de quem, abusivamente, expressasse ou veiculasse publicamente informações que causassem a terceiro danos morais ou materiais. Realmente, a não recepção da Lei de Imprensa não teria afastado nem limitado a observância aos direitos fundamentais da personalidade relacionados no art. 5º da CF, como os que protegem os atingidos por danos materiais ou morais praticados por abusivo exercício da liberdade de manifestação. Assim, verificada a violação desses direitos fundamentais por publicação de matéria jornalística, nada impediria que, independentemente da não recepção da lei em questão, fosse assegurado não apenas o direito de resposta, mas também o direito à reparação dos correspondentes danos, nos termos da lei civil e da própria Constituição. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
Rcl 15243/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 6.10.2015. (Rcl-15243)


SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno7.10.20158.10.2015239
1ª Turma6.10.2015119
2ª Turma6.10.2015148



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 5 a 9 de outubro de 2015

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 906.491-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA. COMPETÊNCIA. SERVIDOR PÚBLICO ADMITIDO SEM CONCURSO PÚBLICO, PELO REGIME DA CLT, ANTES DO ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. DEMANDA VISANDO OBTER PRESTAÇÕES DECORRENTES DA RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar demandas visando a obter prestações de natureza trabalhista, ajuizadas contra órgãos da Administração Pública por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes do advento da CF/88, sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Inaplicabilidade, em casos tais, dos precedentes formados na ADI 3.395-MC (Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 10/11/2006) e no RE 573.202 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 5/12/2008, Tema 43).
2. Agravo a que se conhece para negar seguimento ao recurso extraordinário.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 817.338-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Direito Constitucional e Administrativo. Segurança concedida para declarar a decadência de ato da Administração por meio do qual se anulou portaria anistiadora. Análise quanto à existência ou não de frontal violação do art. 8º do ADCT. Julgamento de tese sobre a possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/99. Matéria dotada de repercussão econômica e jurídica. Questões suscetíveis de repetição em inúmeros processos. Repercussão geral reconhecida.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 838.284-SC
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. TAXA PARA EMISSÃO DE ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA. LEI Nº 6.994/82. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. FIXAÇÃO DE VALOR MÁXIMO.
Possui repercussão geral a matéria alusiva à validade da exigência da taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei nº 6.994/82 a qual estabeleceu limites máximos para a ART, até o valor de 5 MVR, considerada a exigência do art. 150, I, da Constituição.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 852.796-RS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 20, LEI 8.212/91. SISTEMÁTICA DE CÁLCULO. EXPRESSÃO DE FORMA NÃO CUMULATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. JUIZADO ESPECIAL.
A matéria envolvendo a constitucionalidade da expressão de forma não cumulativa constante no caput do art. 20 da Lei nº 8.212/91, o qual prevê a sistemática de cálculo da contribuição previdenciária devida pelo segurado empregado e pelo trabalhador avulso, possui viés constitucional e repercussão geral, pois concerne a afronta aos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da isonomia.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 865.401-MG
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Direito constitucional. Direito fundamental de acesso à informação de interesse coletivo ou geral. Recurso extraordinário que se funda na violação do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Pedido de vereador, como parlamentar e cidadão, formulado diretamente ao chefe do Poder Executivo, solicitando informações e documentos sobre a gestão municipal. Pleito que foi indeferido. Invocação do direito fundamental de acesso à informação, do dever do poder público à transparência e dos princípios republicano e da publicidade. Tese da municipalidade fundada na ingerência indevida, na separação de poderes e na diferença entre prerrogativas da casa legislativa e dos parlamentares. Repercussão geral reconhecida.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 824.781-MT
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para combater ato lesivo à moralidade administrativa. Possibilidade. Acórdão que manteve sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que é condição da ação popular a demonstração de concomitante lesão ao patrimônio público material. Desnecessidade. Conteúdo do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal. Reafirmação de jurisprudência. Repercussão geral reconhecida.
1. O entendimento sufragado no acórdão recorrido de que, para o cabimento de ação popular, é exigível a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, diverge do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal.
2. A decisão objurgada ofende o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, que tem como objetos a serem defendidos pelo cidadão, separadamente, qualquer ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico.
3. Agravo e recurso extraordinário providos.
4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência.

Decisões Publicadas: 6



C L I P P I N G  D O  D J E

5 a 9 de outubro de 2015

RE N. 632.265-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
TRIBUTO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. A exigibilidade de tributo pressupõe lei que o estabeleça – artigo 150 da Constituição Federal.
ICMS – REGIME DE APURAÇÃO – ESTIMATIVA – DECRETO – IMPROPRIEDADE. A criação de nova maneira de recolhimento do tributo, partindo-se de estimativa considerado o mês anterior, deve ocorrer mediante lei no sentido formal e material, descabendo, para tal fim, a edição de decreto, a revelar o extravasamento do poder regulamentador do Executivo.
*noticiado no Informativo 790

ADI N. 2.314-RJ
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO (ART.38,IV, b, DO RISTF)
POLÍCIA CIVIL – REGÊNCIA – LEI – NATUREZA. A previsão, na Carta estadual, da regência, quanto à polícia civil, mediante lei complementar não conflita com a Constituição Federal.
*noticiado no Informativo 790

AG. REG. NO ARE N. 903.291-BA
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGENTE DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE PENA DE SUSPENSÃO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO. FALHAS PROCEDIMENTAIS.   ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XXXV, XXXVI, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.  CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 18.3.2008.
1. Inexiste violação do artigo 93, IX, da Lei Maior. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões do seu convencimento, dispensando o exame detalhado de cada argumento suscitado pelas partes.
2. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, XXXV, XXXVI, LIV e LV, da Constituição Federal, observada a estreita moldura com que devolvida a matéria à apreciação desta Suprema Corte, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária prevista no art. 102 da Magna Carta.
3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República.
4. Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. NO ARE N. 906.803-MG
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. SUSPEITA DE FURTO. ABORDAGEM EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. EVENTUAL OFENSA REFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 102 DA LEI MAIOR. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA CONSTANTE DO ACÓRDÃO REGIONAL. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 11.02.2015.
1. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, X, da Constituição Federal, observada a estreita moldura com que devolvida a matéria à apreciação desta Suprema Corte, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária prevista no art. 102 da Magna Carta.
2. Divergir da conclusão da Corte Regional exigiria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão da origem, procedimento vedado em sede extraordinária. Aplicação da Súmula 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República.
4. Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. NO ARE N. 893.353-SP
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito do consumidor. Acidente de consumo. Lucros cessantes e danos morais. Valor. Fixação. Prequestionamento. Ausência. Princípios da legalidade e do devido processo legal. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Legislação infraconstitucional. Análise. Impossibilidade. Ausência de repercussão geral. Precedentes.
1. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alega violados não estão devidamente prequestionados. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF.
2. A afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório, dos limites da coisa julgada ou da prestação jurisdicional, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal.
3. Inviável, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos e a análise da legislação infraconstitucional de regência. Incidência das Súmulas nºs 279 e 636 /STF.
4. O Supremo Tribunal Federal, analisando o ARE nº 743.771/SP-RG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, assentou a ausência de repercussão geral da questão relativa à modificação do valor fixado a título de indenização por danos morais, uma vez que essa discussão não alcança status constitucional.
5.  Agravo regimental não provido.

AG. REG. EM MS N. 29.551-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO, SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO  PLENÁRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STF é no sentido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Assim, a partir de 5/10/1988, o concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o disposto no art. 16 da referida lei, com a redação que lhe deu a Lei 10.506/2002. As normas estaduais  editadas anteriormente, que admitem a remoção na atividade notarial e de registro independentemente de prévio concurso público, são incompatíveis com o art. 236, § 3º, da Constituição, razão pela qual não foram por essa recepcionadas.
2.  É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a  atividade notarial e de registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por  servidores públicos, cujos cargos não se confundem.
3. O Plenário do STF, em reiterados julgamentos, assentou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu art. 236.
4. É de ser mantida, portanto, a decisão da autoridade impetrada que interferiu na atuação irregular do Tribunal submetido ao seu controle e considerou ilegítimo o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público, decorrente de remoção, com ofensa ao art. 236, § 3º, da Constituição. Jurisprudência reafirmada no julgamento do MS 28.440 AgR, de minha relatoria, na Sessão do Plenário de 19/6/2013.
5. Agravo regimental desprovido.

RHC N. 129.951-PA
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MENORIDADE RELATIVA. QUANTUM DE ATENUAÇÃO DA PENA. PATAMAR DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS.
1. A dosimetria da pena, além de não admitir soluções arbitrárias e voluntaristas, supõe, como pressuposto de legitimidade, adequada fundamentação racional, revestida dos predicados de logicidade, harmonia e proporcionalidade com os dados empíricos em que se deve basear.
2. Idônea a exasperação da pena-base com fundamento na natureza das substâncias traficadas, consoante preconiza o art. 42 da Lei 11.343/2006 c/c art. 59 do Código Penal.
3. A avaliação do quantum de atenuação da pena, à míngua de previsão legislativa dos parâmetros a serem considerados, sujeita-se ao livre convencimento motivado do julgador, observado o limite máximo de redução, as circunstâncias do caso e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
4. A minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 em patamar inferior ao máximo permitido encontrou respaldo em fundamentação jurídica adequada, com base na quantidade da droga apreendida com o recorrente (2.360g de cocaína e 1.895g de maconha).
5. À luz do art. 33, § 3º, do Código Penal, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que a imposição do regime inicial de cumprimento da pena não decorre somente do quantum da reprimenda, mas também das circunstâncias judiciais (CP, art. 59) declinadas na primeira etapa da dosimetria. No crime de tráfico de drogas, devem ser levadas em consideração, ainda, a quantidade e a qualidade das drogas apreendidas, como critério legal adicional na fixação do regime inicial de cumprimento de pena, conforme intelecção do art. 42 da Lei 11.343/2006.
6. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal (pena não superior a 4 anos), as instâncias ordinárias concluíram que a conversão da pena não se revela adequada ao caso, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (natureza da droga apreendida). Precedentes.
7. Recurso a que se nega provimento.

AG. REG. NO ARE N. 802.075-PA
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EXTENSÃO DO ABONO CONCEDIDO PELO DECRETO Nº 2.219/1997, DO ESTADO DO PARÁ, AOS SERVIDORES INATIVOS. NATUREZA DA VANTAGEM. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO ASSINADO POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. DESCABIMENTO.
1. Caso em que o Tribunal de origem adotou fundamento autônomo e suficiente à manutenção do julgado, o qual não foi impugnado pelo recurso extraordinário  (Súmula 283/STF).
2. Para se chegar à conclusão pretendida pela parte recorrente no sentido da natureza transitória do abono em questão, seria necessário examinar a legislação ordinária aplicada à espécie. Hipótese que atrai a incidência da Súmula 280/STF. Precedentes.
3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de considerar inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos, não sendo aplicável a regra do art. 13 do CPC.
4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada.
5. Agravos regimentais desprovidos.

AG. REG. NO ARE N. 898.539-SP
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA FÁTICA E LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova, também não servindo à interpretação de normas estritamente legais.
PREQUESTIONAMENTO – CONFIGURAÇÃO – RAZÃO DE SER. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido arguida pela parte recorrente. A configuração pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de entendimento. O instituto visa o cotejo indispensável a que se diga enquadrado o recurso extraordinário no permissivo constitucional.

AG. REG. NO ARE N. 904.247-MG
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE - UAPS. DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO ÀS AUTORIDADES COMPETENTES DE PROJETO ARQUITETÔNICO  E DO PROCESSO DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. RECURSO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IRREGULARIDADE FORMAL. ART. 317, § 1º, REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 09.02.2015.
1. Não preenchimento do requisito de regularidade formal expresso no artigo 317, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “A petição conterá, sob pena de rejeição liminar, as razões do pedido de reforma da decisão agravada.” Ausência de ataque, nas razões do agravo regimental, aos fundamentos da decisão agravada.
2. Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. NO ARE N. 907.826-PI
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO ANTERIOR À CF/1988. INEXISTÊNCIA DE TRANSPOSIÇÃO AO REGIME JURÍDICO ÚNICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. SÚMULA 284/STF. PRECEDENTES.
1. A controvérsia dos autos não é fundada em vínculo estatutário ou em contrato de trabalho temporário submetido a lei especial. Trata-se de contrato que fora celebrado antes do advento da Constituição Federal de 1988, em época na qual se admitia a vinculação à Administração Pública de servidores sob o regime da CLT. A competência, portanto, é da Justiça do Trabalho. Precedentes.
2. As razões do recurso extraordinário quanto à nulidade do vínculo com a Administração Pública não guardam pertinência com a fundamentação do acórdão recorrido, a atrair a incidência da  Súmula 284/STF.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.

AG. REG. NA ACO N. 928-DF
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
EMENTA: DIREITO FINANCEIRO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. PERDA DE OBJETO.
1. Recebidas as verbas cuja liberação se almejava com a presente ação, esta perde o objeto.
2. Caso a parte interessada considere devido o seu ressarcimento, poderá postulá-lo na via própria.
3. Agravo Regimental a que se nega provimento.

AG. REG. NO RE N. 881.908-CE
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – FRETE – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO – LEI ORDINÁRIA – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. Viola o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Carta Federal norma ordinária segundo a qual hão de ser incluídos, na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, valores em descompasso com o disposto na alínea “a” do inciso II do artigo 47 do Código Tributário Nacional. Precedente – Recurso Extraordinário nº 567.935/SC, de minha relatoria, Pleno, apreciado sob o ângulo da repercussão geral.

AG. REG. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO RE N. 705.264-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMBARGOS DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. Uma vez voltados os embargos declaratórios ao simples rejulgamento de certa matéria, inexistindo, na decisão formalizada, qualquer dos vícios que os respaldam – omissão, contradição e obscuridade –, cumpre desprovê-los.
ICMS – BENS – IMPORTAÇÃO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33, DE 2001 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – PRECEDENTES. É constitucional a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS em bens importados, prevista na Emenda Constitucional nº 33, de 2001, pressupondo a cobrança a edição de lei complementar e de lei estadual a versar a matéria. Precedentes: Recursos Extraordinários n. 474.267/RS e 439.796/PR, julgados no Pleno, relatados pelo ministro Joaquim Barbosa, acórdãos veiculados, respectivamente, no Diário de 20 e 17 de março de 2014.

EMB. DECL. EM MS N. 26.264-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMBARGOS DECLARATÓRIOS – VÍCIO – INEXISTÊNCIA. O acolhimento do pedido formulado pelo embargante, a envolver o mérito do recurso, pressupõe um dos vícios relativos aos declaratórios – omissão, contradição e obscuridade.

MS N. 32.941-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
CONCURSO PÚBLICO – BALIZAS – EDITAL. O concurso é regido pelo edital, a lei do certame, publicado.

Acórdãos Publicados: 584



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Guarda municipal e fiscalização de trânsito (Transcrições)

(v. Informativo 793)

RE 658.570/MG*

RELATOR: Ministro Marco Aurélio
REDATOR P/ O ACORDÃO: Ministro Roberto Barroso

EMENTA:DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL. CONSTITUCIONALIDADE.
1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública.
2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais.
3. O Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito.
4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal.
5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014.
6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.

RELATÓRIO: – O Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais formalizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, requerendo a invalidação do inciso VI do artigo 5º da Lei nº 9.319/07 e do Decreto nº 12.615/07, ambos do Município de Belo Horizonte. Transcrevo o teor dos dispositivos impugnados:

Lei Municipal nº 9.319/07
Art. 5º. Compete à Guarda Municipal de Belo Horizonte:
(...)
VI – atuar na fiscalização, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do Prefeito;

Decreto nº 12.615/07
Art. 1º. Por força do disposto no inciso VI do art. 5º da Lei nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007, a Guarda Municipal fica designada para atuar na fiscalização, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego no âmbito do Município de Belo Horizonte, devendo anteriormente adotar as seguintes medidas:
I – separação de um contingente para o exercício concomitante desta tarefa com as demais atribuições da Guarda Municipal;
II – treinamento específico para realização desta função.

O Procurador-Geral de Justiça alegou não ter a guarda municipal atribuição para exercer a fiscalização do trânsito em geral, autuar condutores nem aplicar multas de trânsito, considerado o disposto nos artigos 144, § 8º, da Constituição Federal (Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...). § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.) e 138 da Carta do Estado de Minas Gerais (Art. 138. O Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República). Sustentou serem os aludidos atos administrativos de competência da Polícia Militar, ante os preceitos dos artigos 144, § 5º, da Lei Maior (Art. 144. (...). § 5º. às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil) e 142, “inciso I”, do segundo Diploma (Art. 142. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último posto, competindo: I – à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;). Afirmou não abranger a fiscalização referida no artigo 23, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: (...) III – executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;) (Lei nº 9.503/97) – para a qual se exige a celebração de convênio – a realizada nas vias públicas, por ser inerente ao controle ostensivo de trânsito, cuja competência pertence à Polícia Militar. Aduziu violar o princípio da eficiência (artigos 37, cabeça, da Constituição Federal (Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:)e 13 da Carta estadual (Art. 13. A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade.) ) conferir a mesma atribuição (polícia de trânsito) a duas entidades diferentes – a guarda municipal e a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS), que, em virtude da celebração de convênio entre o Estado de Minas Gerais e o Município, ficou encarregada de aplicar sanções e proceder à arrecadação das multas correspondentes. Apontou poderem os entes locais optar por quadro próprio de agentes de trânsito ou pela formalização de convênio com o Estado, na forma do artigo 23, inciso III, do Código de Trânsito, a fim de que a Polícia Militar execute a fiscalização de trânsito.
O Município de Belo Horizonte, por meio da Câmara Municipal e da Procuradoria-Geral, apresentou informações, defendendo a validade dos atos atacados. Arguiu a competência do ente municipal para legislar sobre assuntos de interesse local e organizar e prestar serviços públicos também nesse âmbito, incluído o transporte coletivo (artigo 30, incisos I e V, da Carta Federal (Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;) ). Asseverou mostrar-se mais racional dispensar a Polícia Militar de funções meramente administrativas e concentrar a atuação do órgão em atividades ligadas à segurança da população. Salientou não haver usurpação da competência dessa última, tendo em conta o fato de a regra do § 5º do artigo 144 da Carta Federal não impedir outros órgãos e entidades de desempenharem a polícia de trânsito. Esclareceu não ser taxativo o rol de atribuições conferidas pelo § 8º do artigo 144 do Texto Constitucional à guarda municipal. Sublinhou que estabelecer a mesma competência a um órgão integrante da Administração direta e a uma entidade da Administração indireta não viola a Constituição Federal, porquanto o artigo 175 (Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.) dela constante autoriza a prestação de serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão.
A Câmara Municipal ponderou referirem-se as normas questionadas apenas à fiscalização, ao controle e à orientação do trânsito, providências ligadas à proteção do patrimônio municipal, não havendo permissão para autuação, tampouco para lançamento de multas, atos de competência dos órgãos de trânsito municipais e da Polícia Militar.
A Procuradoria-Geral do Município, ao contrário, destacou caber à guarda municipal não só o policiamento e a fiscalização, como também a aplicação de penalidades de trânsito, por serem atribuições decorrentes de delegação legítima ao Município, presentes o interesse local e a existência de previsão expressa no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 24, incisos VI, VII, VIII, IX e XX (Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar; VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar; IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas; (...) XX - fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado;) ).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, julgou improcedentes os pedidos, em acórdão assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI E DECRETO MUNICIPAIS. GUARDA MUNICIPAL. PODER DE ATUAÇÃO. POLICIAMENTO DO TRÂNSITO E IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA AOS INFRATORES. POSSIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. Em consonância com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, o Município detém competência para coibir o estacionamento em locais proibidos, inclusive com competência para impor multas, ou seja, sanção pecuniária de caráter administrativo. 2. Não basta só a fiscalização: uma fiscalização sem sanção não significa nada; do contrário. Ela nem precisaria existir. 3. Desta forma, a aprovação do projeto de Lei pelo legislativo local, sancionado pelo Prefeito Municipal, vem apenas atender a uma realidade do Município de Belo Horizonte. 4. Representação julgada improcedente.

Assentou não violar a Constituição a competência, conferida à guarda municipal, de autuar e aplicar multas de trânsito. Realçou o esvaziamento da utilidade da fiscalização quando se retira dos agentes de controle o poder sancionador. Consignou que a autuação e a apenação mostram-se inerentes ao poder de polícia. Esclareceu ser a criação da instituição uma necessidade histórica da realidade do Município de Belo Horizonte, tendo em conta a complexidade do trânsito típica das grandes cidades. Destacou a existência de norma federal reconhecendo não se tratar de competência privativa da Polícia Militar lavrar autos de infração e aplicar multas de trânsito (artigo 280, § 4º, do Código de Trânsito (Art. 280. (...). § 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.) ). Asseverou disciplinar o ente local, ao legislar sobre a fiscalização do trânsito e do tráfego nas ruas da capital, o uso de patrimônio municipal, no que não há inconstitucionalidade. Afirmou haver previsão expressa, no Código de Trânsito Brasileiro, de aplicação de sanções pelos órgãos e entidades de trânsito municipal (artigo 24, incisos V a VIII). Ressaltou a harmonia das normas atacadas com o Texto Constitucional, pois, ao controlar e fiscalizar o trânsito nas ruas, praças, avenidas e outras vias de circulação – bens integrantes do patrimônio público municipal –, a guarda municipal está cumprindo o preceito do artigo 144, § 8º, da Carta Federal.
Embargos de declaração interpostos foram desprovidos.
No extraordinário de folha 357 a 411, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais reproduz os argumentos lançados na inicial. Acrescenta haver o acórdão recorrido implicado ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, ante a omissão relativa ao exame da contrariedade ao artigo 144, § 5º e § 8º, da Lei Maior, presente alegado rol taxativo das atribuições da guarda municipal e da Polícia Militar. Inova arguindo a inobservância do princípio federativo, tendo em conta a redução da autonomia do Estado-membro provocada por restrições impostas ao poder-dever de fiscalização da Polícia Militar decorrentes da ampliação das atribuições da guarda municipal.
O Município de Belo Horizonte, nas contrarrazões de folha 417 a 427, subscritas pela Procuradoria-Geral do Município, e nas de folha 429 a 441, elaboradas pela Câmara Municipal, sustenta a manutenção da decisão atacada.
O recurso foi admitido na origem mediante a decisão de folhas 443 e 444.
No Supremo, o processo, inicialmente distribuído ao ministro Dias Toffoli, foi a mim redistribuído, com base no artigo 325-A do Regimento, porquanto a repercussão geral da matéria veio a ser reconhecida no Recurso Extraordinário nº 637.539, da minha relatoria (decisão de folha 457 e de folhas 462 e 463) (Tema nº 472.).
Por meio do ato de folhas 465 e 466, determinei a substituição do aludido paradigma por este recurso, em virtude da homologação de pedido de desistência formalizado no processo.
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 471 a 477, opinou pelo provimento do extraordinário. Enfatiza não caber à legislação local atribuir à guarda municipal funções de polícia de trânsito, em desrespeito ao artigo 144, § 8º, da Carta Federal. Sublinha restringir o dispositivo constitucional as tarefas da guarda municipal à vigilância de bens e serviços do Município. Evoca julgados do Supremo no sentido de mostrar-se taxativo o rol de órgãos de segurança pública versados na cabeça do artigo 144 (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.827, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 236, da relatoria do ministro Octavio Gallotti.), entre os quais não se inclui a guarda municipal. Argumenta que, por envolver monopólio de força bruta do Estado, as funções de fiscalização, controle e orientação do trânsito são da competência da Polícia Militar. Salienta haverem os atos municipais impugnados contrariado o sistema constitucional de repartição de competências, pois, ao conferirem aos guardas municipais as relacionadas à fiscalização do trânsito, disciplinaram matéria reservada privativamente à União (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal). Ressalta não constar a guarda municipal no artigo 7º do Código de Trânsito Brasileiro (Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades: I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - a Polícia Rodoviária Federal; VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.), entre os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, havendo, no tocante aos municípios, apenas alusão a “órgãos e entidades executivos de trânsito” e “órgãos e entidades executivos rodoviários” (artigo 7º, incisos III e IV), que, segundo diz, deveriam ter exclusivamente competências de trânsito. Por fim, destaca que a orientação firmada pela Segunda Turma do Supremo, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 191.363, da relatoria do ministro Carlos Velloso, não respalda as conclusões veiculadas no acórdão recorrido, no que assentada legítima a atuação do município em matéria de “infração de posturas municipais”, que não se confunde com “infrações de trânsito”.
É o relatório.

VOTO: – Na interposição do recurso, atendeu-se aos pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita por Procuradora de Justiça e por Promotor de Justiça, atuando como fiscais da lei e ante o interesse público, foi protocolada no prazo legal. Conquanto o extraordinário tenha origem em ação direta de inconstitucionalidade estadual, nas razões do recurso, arguiu-se, a par da violência ao artigo 93, inciso IX, a violação às normas dos artigos 144, § 5º e § 8º, 37, cabeça, e 18 da Constituição Federal, preceitos de reprodução obrigatória nas Cartas estaduais. A repercussão geral da questão foi reconhecida. Conheço.
De início, afasto a alegação de ofensa ao artigo 93, inciso IX, do Texto Constitucional por entender ter sido amplamente debatida, na origem, a questão relacionada às competências da Polícia Militar e da guarda municipal. Conforme decidido no Recurso Extraordinário nº 128.519, por mim relatado, o prequestionamento prescinde da referência, no acórdão impugnado mediante o extraordinário, a artigo, parágrafo, inciso e alínea de diploma normativo, sendo suficientes o debate e a decisão prévios do tema versado nas razões recursais. Eis a ementa do acórdão do Pleno:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – ALCANCE DO INSTITUTO. A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado à sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois à garantia de acesso ao Judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência, ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco importando a insuficiência da atuação do Estado-Juiz no dirimir a controvérsia. Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho, paixões que devem estar ausentes quando do exercício do oficio judicante.
(…). (Recurso Extraordinário nº 128.519, Relator ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/1990)

No mais, não subsiste o argumento de usurpação da competência da Polícia Militar, prevista no § 5º do artigo 144 da Carta Federal, e de inobservância ao princípio federativo (artigos 1º e 18 da Lei Maior). O fato de o constituinte ter atribuído a essa instituição o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública não impede os entes municipais de fiscalizarem o cumprimento da legislação de trânsito nem de desempenharem outras funções estabelecidas pela União no Código de Trânsito (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal). Não vejo redução de autonomia do Estado-membro – mas simples cooperação – na atuação repressiva dos municípios no combate às infrações de trânsito. Os entes federativos devem se esforçar, para, nos limites das competências de cada qual, assegurarem a efetividade das normas de trânsito.
No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 191.363, da relatoria do ministro Carlos Velloso, muito embora se tenha diferenciado “infração de posturas municipais” de “infrações de trânsito” – como apontou a Procuradoria Geral da República –, a Segunda Turma do Supremo proclamou que:

na área de jurisdição, na organização do serviço local de trânsito, que se incluía e ainda se inclui em assunto de seu peculiar interesse, o Município tem competência quanto ao trânsito, inclusive, evidentemente, para impor e arrecadar multas decorrentes das infrações que ocorrem.

A União, no exercício da competência privativa para legislar sobre trânsito (artigo 22, inciso XI, da Carta Federal (Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XI - trânsito e transporte;) ), editou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) e incumbiu expressamente os órgãos e entidades executivos de trânsito municipais de cumprirem e fazerem cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições (artigos 21, inciso I (Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;), e 24, inciso I); executarem a fiscalização de trânsito, autuarem, aplicarem as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicarem (artigo 21, inciso VI (Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;) ); executarem a fiscalização de trânsito, autuarem e aplicarem as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de Trânsito, no exercício regular do poder de polícia de trânsito (artigo 24, inciso VI); aplicarem as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas na Lei nº 9.503/97, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar (artigo 24, inciso VII); fiscalizarem, autuarem e aplicarem as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificarem e arrecadarem as multas que aplicarem (artigo 24, inciso VIII); fiscalizarem o cumprimento da norma contida no artigo 95 do Código de Trânsito, aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas (artigo 24, inciso IX). (Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições; (...); VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar; VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar; IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas; Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.)
O próprio recorrente, às folhas 371 e 372, admitiu a competência dos entes locais para fiscalizar, controlar e organizar o trânsito local.
Some-se a isso a promulgação da Emenda Constitucional nº 82/2014, que acrescentou o § 10 ao artigo 144 da Lei Maior, com a seguinte redação:

Art. 144. (...).
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

Assentada a atribuição dos Municípios para fiscalizar e aplicar multas de trânsito, fica afastada a alegação de competência privativa da Polícia Militar – órgão integrante da Administração estadual – para a autuação e imposição de penalidades por descumprimento da legislação de trânsito.
O § 4º do artigo 280 do Código de Trânsito, na mesma linha, dispõe ser competente para lavrar o auto de infração “servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.
A afirmação da Procuradoria Geral da República de não poderem as guardas municipais aplicar multas por não integrarem o sistema previsto no artigo 7º do Código de Trânsito também não merece prosperar. Não existe preceito, na Lei nº 9.503/97, a preconizar que os órgãos executivos municipais citados nos incisos III e IV do artigo 7º do diploma federal tenham somente atribuições relativas a trânsito. Nem poderia. A União, a pretexto de exercer a competência privativa do artigo 22, inciso XI, da Carta Federal, não pode restringir a autonomia dos municípios a ponto de dispor sobre atribuições de órgãos e estruturas do Poder Executivo local. A capacidade de autoadministração integra o núcleo essencial da autonomia municipal. Transcrevo as lições do professor José Afonso da Silva acerca da questão:

A autonomia municipal, assim, assenta em quatro capacidades:
(a) capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria;
(b) capacidade de autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais;
(c) Capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar;
(d) Capacidade de autoadministração (administração própria, para manter e prestar serviços de interesse local).
Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração).
(...)
Veja-se a diferença fundamental da outorga da autonomia municipal: as normas constitucionais anteriores sobre ela se dirigiam aos Estados-membros, porque estes é que deveriam organizá-los, assegurando-a, mas, aí, se reservavam a eles poderes sobre os Municípios, que agora já não têm: o poder de organizá-los, de definir suas competências, a estrutura e competência do governo local e os respectivos limites. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 641)

Os municípios não estão impedidos de qualificarem como “órgão ou entidade executivo de trânsito” ou “órgão ou entidade executivo rodoviário” estruturas da administração local titulares de outras competências não relacionadas ao trânsito.
Assento as premissas deste voto: os entes municipais têm competência para exercer a fiscalização, a orientação e o controle do trânsito, inclusive com a aplicação de sanções, respeitados os limites estabelecidos pela legislação federal, editada com base no artigo 24, inciso XI, da Lei Maior. Não se extrai do artigo 144, § 5º, do Texto Constitucional competência exclusiva da Polícia Militar na autuação e na aplicação de multas de trânsito. Os municípios não estão proibidos de qualificarem como “órgão ou entidade executivo de trânsito” ou “órgão ou entidade executivo rodoviário” estruturas da administração local titulares de outras competências não relacionadas ao trânsito.
Passo a tratar especificamente da competência da guarda municipal para atuar como órgão ou entidade executiva de trânsito nos municípios.
O artigo 144, § 8º, da Carta Federal dispõe:

Art. 144. (...)
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Ante o preceito, indaga-se: o legislador é livre para definir as atribuições da guarda municipal? Evidentemente que não. Há, nesse ponto, vinculação constitucional. A regulamentação legal alusiva às funções dos guardas municipais apenas se mostra válida se mantiver alguma relação com a proteção dos bens, serviços e instalações do município.
Mas não é só isso. Considerada a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (artigo 22, inciso XI, do Texto Constitucional), qualquer norma local a versar os deveres da guarda municipal deve observar as regras contidas na Lei nº 9.503/97.
Definidas as balizas constitucionais das atribuições da guarda municipal, pergunta-se: pode a lei conferir-lhe a prerrogativa de promover autuações e aplicar multas de trânsito?
É preciso verificar, em primeiro lugar, se as atividades de prevenção e repressão a infrações de trânsito têm alguma relação com a proteção dos bens, serviços e instalações do município.
Nessa análise, deve-se levar em conta constituírem ruas, avenidas, praças, logradouros e equipamentos públicos patrimônio municipal. É inegável que o cumprimento de algumas normas do Código de Trânsito produz efeitos diretos e imediatos sobre as vias e passeios públicos. Imagine-se um carro estacionado irregularmente sobre um jardim mantido pela Prefeitura. Ninguém duvida dos danos passíveis de ocorrer no tocante à instalação pública em razão do desrespeito à norma proibitiva do estacionamento naquela área. Também não se questiona que a circulação de veículos com peso acima dos parâmetros legais pode provocar graves prejuízos à pavimentação da via pública. Da mesma forma, não se podem negar os transtornos causados aos serviços de transporte mantidos pelo município (artigo 30, inciso V, da Lei Maior (Art. 30. Compete aos Municípios: (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;) ), quando veículos estacionam em local proibido ou quando a realização de obras ou eventos, sem autorização do órgão responsável de trânsito, perturbe ou atrapalhe a circulação de veículos e pedestres. Automóveis, trafegando acima do limite de velocidade, podem colidir com instalações e equipamentos públicos municipais (postes, grades, sinais, placas de sinalização, monumentos, etc), danificando-os.
Em todos esses casos, de cunho exemplificativo e não exaustivo, o exercício da polícia de trânsito – a abranger tanto a fiscalização, como a apenação – mantém estreita ligação com a proteção de bens, serviços e instalações municipais. Observem que a fiscalização, desacompanhada do poder sancionador, esvazia a força conformativa da norma que a prevê e, nesses casos, põe em risco patrimônio e serviços municipais.
Estabelecida a conexão entre a atuação da guarda municipal e a proteção dos bens, serviços e instalações do município, afasta-se o óbice do artigo 144, § 8º, da Carta Federal evocado pelo recorrente.
Deve-se analisar, em segundo lugar, se o exercício da polícia de trânsito por guardas municipais está em harmonia com a legislação federal, considerada a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (artigo 22, inciso XI). Não podem os municípios criar atribuições para a guarda municipal em desarmonia com as regras editadas pelo Congresso Nacional. A propósito, transcrevo os seguintes preceitos do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
(...)
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;
IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas;
(...)
Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.
(...)
Art. 280. (...).
(...).
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

Reproduzo, ainda, dispositivos da Lei federal nº 13.022, de 8 de agosto de 2014, que instituiu, recentemente, o chamado “Estatuto Geral das Guardas Municipais”:

Art. 3º São princípios mínimos de atuação das guardas municipais:
(...)
III - patrulhamento preventivo.
(...)
Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.
Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais.
Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
(...);
VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;

A União, na competência legislativa privativa prevista no artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal, não proibiu a guarda municipal de aplicar multas de trânsito. Ao contrário: os artigos 280, § 4º, do Código de Trânsito Brasileiro e 3º, inciso III, e 5º, inciso VI, da Lei nº 13.022/14 autorizaram os guardas municipais a exercerem as atribuições de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, observados os limites estabelecidos pelo Código de Trânsito.
O quadro normativo revela a possibilidade de guardas municipais aplicarem multas de trânsito, nos casos em que se verificar conexão entre a repressão ao ato infracional e a proteção de bens, serviços e instalações municipais.
Não se extrai do Texto Constitucional, nem da legislação federal editada pela União, com base no artigo 22, inciso XI, vedação ao controle e fiscalização do trânsito, tampouco à aplicação de multas, por guardas municipais.
Por outro lado, afigura-se incompatível com os artigos 144, § 8º, e 22, inciso XI, da Lei Maior reconhecer à guarda municipal o poder para fiscalizar todo e qualquer tipo de infração de trânsito, impondo sanções. A guarda municipal não pode atuar na repressão de infrações de trânsito quando não estiver em jogo a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, nem ultrapassar as fronteiras da competência dos municípios fixadas pela legislação federal.
Essa circunstância conduz a conferir-se interpretação conforme à Constituição aos dispositivos atacados pelo Ministério Público estadual, de forma a restringir as competências da guarda municipal consideradas as balizas estabelecidas acima.
Por conta dos limites à atuação da guarda municipal em matéria de trânsito, afasto a alegação de contrariedade ao princípio da eficiência. As atribuições da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS, ao menos sob a perspectiva constitucional, não se reduzem à proteção de bens, serviços e instalações municipais, no que não haveria sobreposição de funções entre as duas instituições. Notem, a propósito, que o empréstimo de poderes relativos à polícia de trânsito a pessoas jurídicas de direito privado – como a BHTRANS – é de duvidosa constitucionalidade, tendo sido reconhecida a repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário com Agravo nº 662.186 (Em 2014, ante o provimento do agravo, o processo foi reautuado como Recurso Extraordinário nº 840.230.), da relatoria do ministro Luiz Fux, submetido ao regime dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil, ainda pendente de julgamento.
Ante o quadro, dou parcial provimento ao extraordinário para julgar procedente em parte o pedido formalizado na ação direta e dar interpretação conforme aos dispositivos impugnados, de maneira a restringir a atribuição da guarda municipal para exercer a fiscalização e o controle do trânsito aos casos em que existir conexão entre a atividade a ser desempenhada e a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, respeitando-se os limites das competências municipais versados na legislação federal.
Proponho a seguinte tese para efeito de repercussão geral: é constitucional a lei local que confira à guarda municipal a atribuição de fiscalizar e controlar o trânsito, com a possibilidade de imposição de multas, desde que observada a finalidade constitucional da instituição de proteger bens, serviços e equipamentos públicos (artigo 144, § 8º, da Carta de 1988) e limites da competência municipal em matéria de trânsito, estabelecidos pela legislação federal (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal).
É como voto.

*acordão publicado no Dje de 30.9.2015

Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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FONTE - STF

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